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ALIENÍGENAS COMO REPRESENTAÇÃO SUBCONSCIÊNTE DAS RELAÇÕES DE PODER



Nos bons e velhos tempos, o surgimento do assunto OVNIs nas primeiras páginas dos jornais dos EUA podia parecer algo fora da realidade - a coisa mais mais próxima do Retorno de Jesus que um EUA secularizado e espacial poderia ter. Mas há décadas o tema vem sendo tratado antecipadamente na cultura pop, que oferecia uma grande variedade de histórias a respeito de conflitos com invasores alienígenas com a finalidade de representar na ficção os conflitos que a população norte americana imaginava que poderia acontecer no mundo real - lembre-se que eles viviam aterrorizados desde o início da Guerra Fria com a possibilidade do holocausto nuclear com a URSS.

As coisa estavam nesse pé até que, em dezembro de 2017, o jornal New York Times publicou um relato indiscutível do que poderia soar inicialmente como apenas uma dentre tantas outras teorias de conspiração - o Pentágono passou cinco anos investigando "fenômenos aéreos inexplicáveis". A resposta dos leitores do jornal (a maioria liberais de esquerda exaustos e derrotados devido à ascensão de Donald Trump e da direita nos EUA), foi surpreendentemente diferente daquela vista em filmes. A notícia de que alienígenas poderiam estar visitando a Terra frequentemente de forma recente não provocou terror a respeito de uma possível invasão ou conflito, mas sim uma reação muito semelhante ao sonho evangélico do Arrebatamento que estes mesmos liberais costumavam ridicularizar como um escapismo da direita nos anos de George W. Bush. "A verdade está lá fora", twittou o ex-senador Harry Reid com um link para essa história. Graças a Deus, veio a resposta de alguns usuários, que perguntavam ainda: “Os extraterrestres podem nos ajudar a salvar a Terra?”.

De repente, os alienígenas tornaram-se em uma nova fantasia escapista, reforçada pela sua indireta legitimação governamental. O relatório do Pentágono, que apresentava dois vídeos emocionantes de encontros aéreos com OVNIs, é apenas um dentre outros fatos ligados à busca por inteligência extraterrestre (ou SETI em inglês): em outubro de 2017, um objeto passou pelo nosso sistema solar, e ele se parecia muito com uma nave espacial; astrônomos passaram boa parte de 2016 discutindo se os estranhos pulsos de luz vindos de uma estrela distante eram na verdade evidência de uma “megaestrutura alienígena”. Um exército de bilionários do Vale do Silício está correndo para fazer o primeiro contato, e nossos novos telescópios superpoderosos estão descobrindo mais planetas potencialmente habitáveis a cada ano.

Foi ai quem, em março de 2018, um terceiro vídeo oficial do programa de estudos do Pentágono surgiu na Internet, apresentando um encontro de caças da Marinha com supostos OVNIs na Costa Leste dos EUA em 2015. Um editorial do Washington Post se perguntou: "Por que o Pentágono parece não se importar com isso?" - e certamente essa foi a primeira vez que o jornal de Katharine Graham falou a respeito de alienígenas.

Na semana seguinte, o presidente Trump anunciou que estava criando um ramo inteiramente novo das forças armadas: "Nós a chamaremos de Força Espacial (Space Force)". É compreensível você pensar que acordou dentro de um romance de ficção científica ao ler estas notícias. Crer em vida alienígena e visitação extraterrestre não perece mais uma loucura diante destas notícias veiculadas por órgãos de mídia tradicionais e supostamente líderes em credibilidade. Na verdade, um estudo recente mostra que metade da população mundial já crê.




O sonho a respeito dos alienígenas sempre foi alimentado pelo desejo da humanidade em se sentir importante diante da possibilidade de esquecimento em um Universo vasto e vazio: queremos ser vistos por outros para que nós saibamos que existimos. O que é incomum na fantasia alienígena porém é que ela não coloca os humanos no centro da história como protagonistas.

Na verdade, ela os desloca para atores importantes, mas por um breve momento apenas, em um drama de escala quase inconcebível, cuja moral é a de que, no final das contas, somos insignificantes. Essa é a lição mais óbvia que a suposta visitação alienígena à Terra nos deixa, já que eles vieram a nós muito antes que nós pudéssemos ir até eles, seja lá onde eles estejam. Isso nos tornou agentes passivos - e de certa forma submissos. Fossem os humanos os agentes ativos no primeiro contato, nós seriamos a espécie avançada e os alienígenas seriam algo semelhantes à microrganismos na superfície de um lago. Essa pode ser inclusive uma das razões pelas quais fantasiamos sobre esses tipos de encontros muito menos do que fantasiamos a respeito das visitações alienígenas à Terra. Mas é claro que, quando os alienígenas são os exploradores, nós desempenhamos o papel dos microrganismos.

Porém, muitas pessoas na atualidade não terão dificuldades em aceitar essa situação, o que não é de se surpreender dado ao quão estonteante, secular e alienante esse mundo objetivamente é. A maior parte das teorias de conspiração são alimentadas pelo desejo de ver o Universo como compreensível - a barganha aqui é que com essa narrativa as coisas podem fazer sentido, mas apenas se você acreditar na capacidade para o mal e para o acobertamento da verdade.

Teorias de conspiração alienígenas preservam essa malícia (histórias de acobertamento do caso Roswell, os Homens de Preto, etc). Mas, em vez dos confortos como ordem e inteligibilidade, eles oferece um drama psicodélico da total ininteligibilidade - temor, admiração e a imersão em uma experiência mística da ignorância existencial.

Floating Down (Flutuando para Baixo) (1990), por David Huggins, que faz pinturas a óleo sobre seus encontros com alienígenas. Como destacado no documentário a respeito do artista, "Love & Saucers", de 2017. Foto: David Huggins
Toda "era extraterrestre" pela qual a humanidade tem passado tem sua própria fantasia de consequencialidade. Os círculos das plantações (crop circles) começaram como um fenômeno local no interior inglês, mas depois se espalharam para os cantos mais distantes do Império Britânico (Austrália, Canadá) após a Segunda Guerra Mundial, quando o Reino Unido retornava ao convívio internacional e seus habitantes desejavam compreensivelmente demonstrar que, de alguma forma, suas vidas tinham alguma relevância.

Os contatos imediatos ocorridos nos EUA também eram de natureza invariavelmente rural - tipicamente relatados por fazendeiros e rancheiros, principalmente no interior do país e nos desertos e montanhas do oeste do país, nas décadas onde uma forte urbanização e industrialização ocorreu.

Esses incidentes curiosamente nunca aconteciam nas cidades (onde várias pessoas podiam testemunhá-los e  verificá-los) e eram frequentemente relatados como histórias de horror, mesmo que pudessem expressar desejos secretos da psique humana. Porém, a cultura pop da mesma época introduziu um novo conceito: o contato suburbano, privado e pessoal muitas vezes, mas ainda assim carregado com mais aspectos esotéricos da Nova Era do que as antigas histórias de abduções e sondas anais.

Os dois principais autores desse novo conceito foram Steven Spielberg com seus filmes Contatos Imediatos do Terceiro Grau e E.T. O Extraterrestre, e Carl Sagan, com sua série de TV Cosmos e com seu livro Contato, que, quando foi transformado em filme, apresentou ao público uma estranha paisagem marítima que era basicamente um paraíso secular mantido por alienígenas nunca mostrados em tela que, explicitamente, desempenhavam o papel de deuses.

Stephen Hawking, que morreu em março de 2018, era também o padrinho desse novo conceito. Ele não era apenas um dos físicos mais brilhantes que a humanidade já teve, mas sim um sábio e um tipo de guru para toda uma geração de curiosos a respeito da vida além da Terra. Dentre seus últimos atos em vida, destaca-se sua parceria com Yuri Milner, um bilionário russo que construiu um gigantesco laboratório SETI na Universidade da Califórnia em Berkeley.

Os norte americanos costumavam considerar a corrida espacial como algo ligado ao orgulho nacional e internacional, e a questão envolvendo OVNIs e alienígenas marcou uma mudança para eles. Mais do que mero misticismo, as histórias americanas de encontros com alienígenas têm sido meditações a respeito do próprio status do poder norte americano - meditações alimentadas pela memória dos colonos europeus, para quem o “primeiro contato” significou uma história de genocídio triunfante e simpatia por aqueles que foram dominados. Dada a opção, os EUA sempre preferirão interpretar o caubói da história.

Durante os anos 90 no pós-Guerra Fria, o modelo dominante visto nos relatos de contatos imediatos ainda era o típico confronto militar e arrogante visto no filme Independence Day. O mais próximo a que chegamos de um contraponto a esse modelo foi a paranoia do acobertamento visto na série de TV Arquivo X, que apenas expressava uma fé mais sombria no mesmo poder americano. Na época, tivemos um filme épico sobre alienígenas bastante adequado à era da Guerra ao Terror, entregue novamente por Spielberg com mais um conflito armado entre humanos e e alienígenas: A Guerra dos Mundos. Claro, nessas histórias os vencedores sempre são os humanos - isto é, os americanos. E então veio a crise financeira, a recessão, e Trump. E com isso tudo, surgiu uma nova esperança de que os extraterrestres tenham pena de nós.

Em outras partes do mundo, onde o status político e econômico podem ser melhores, você pode esperar perspectivas diferente a respeito de alienígenas - e, como Ross Andersen do The Atlantic documentou no outono de 2017, os chineses abriram a maior instalação de radar do mundo para ouvir sinais extraterrestres vindos do espaço profundo. Mas até mesmo os chineses estão um pouco apreensivos com os alienígenas. Como aponta Andersen, a ficção científica popular produzida no país evidencia isso. E por que eles não estariam? Eles têm sua própria memória relacionada ao contato colonial (com as Guerras do Ópio e o fim de seu Império) para projetar nos alienígenas seus temores. E, além disso, o desconhecido é assustador

[Nota deste blog: de certa forma, este artigo reflete pensamentos ligados à HPS (Hipótese Psicossocial) da qual falei tempos atrás aqui], que trata do fenômeno OVNI do ponto de vista de fenômeno psicológico. Menos em voga nos dias atuais por ser menos "glamourosa", houve épocas em que ela era tão debatida e aceita quanto a HET (Hipótese Extraterrestre).


Artigo inspirado em partes do artigo "13 reasons to believe aliens are real" publicado em http://nymag.com/intelligencer/2018/03/13-reasons-to-believe-aliens-are-real.html por David Wallace-Wells ,  James D. Walsh ,  Neel Patel ,  Clint Rainey ,  Katie Heaney ,  Eric Benson e Tim Urban para o The Intelligencer no site da New York Magazine em 13 de março de 2018.

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