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CRENÇA EM EXTRATERRESTRES SERÁ A PRÓXIMA GRANDE RELIGIÃO?

O livro American Cosmic explora como um fenômeno outrora marginalizado se enraizou entre os poderosos.

Os alienígenas estão chegando.

Ou pelo menos estão prestes a chegar. Este se tornou um argumento razoável desde que um renomado astrônomo de Harvard declarou publicamente, sem transparecer qualquer  medo da repercussão, que ele acreditava que uma nave alienígena poderia estar orbitando nosso planeta.

A crença nos homenzinhos verdes (ou em irmãos espaciais altos, suspeitosamente nórdicos e hiper iluminados, dependendo de em quem você acredita) há muito tempo é uma passagem só de ida para a descrença social. Era algo típico de figuras como a garçonete de restaurante fumante em Nevada, do virgem descontente que lê sites de reptilianos antisemitas no porão de sua mãe, da tia cuja minivan está cheia de panfletos sobre aparições marianas menos conhecidas e profecias terríveis do fim dos tempos e do guru barbado "paz e amor" dos anos 1970 que mais tarde se tornou num criminoso sexual.

Mas isso parece estar mudando. Um novo livro de D.W. Pasulka - professora e presidente do departamento de filosofia e religião da University of North Carolina Wilmington, chamado American Cosmic: UFOs Religion and Technology, não se concentra em obscuras sociedades de investigação de teorias de conspiração e nem em cultos marginais, mas sim em crentes de OVNIs nos salões do poder.

Capa do livro de D.W. Pasulka


Sua narrativa começa em um passeio pelas colinas com o pioneiro cientista da computação, capitalista de risco e ufólogo Jacques Vallee. "O Vale do Silício é cheio de segredos", ele diz a ela. E termina nos Arquivos Secretos do Vaticano (infelizmente, não porque a "Pista Suprema" esteja esteganograficamente escondida em um códice Templário).

Ao longo do seu caminho, Pasulka conheceu "Tyler", um magnata da tecnologia biomédica associado ao programa espacial norte-americano. Tyler é o personagem mais curioso de um livro igualmente curioso. Como a maioria dos cientistas, pesquisadores do governo e gigantes da tecnologia que Pasulka cita no livro, o nome verdadeiro de Tyler permanece em segredo. Mas Pasulka presumivelmente fez a devida investigação do seu histórico acadêmico e profissional, caso contrário seria difícil de acreditar: Tyler tem em seu nome mais de 40 patentes de biotecnologia, muitas das quais ele acredita que lhe foram comunicadas por inteligências não humanas. Ele trabalha em um programa governamental que, segundo ele, está oculto por um imbróglio burocrático de segurança de informação, protegido por um verdadeiro labirinto legal, como aqueles vistos em um episódio do seriado Arquivo X. "Não sei quem é o responsável por me colocar nesses trabalhos. Eu acho que, de alguma forma, eles [alienígenas] são os responsáveis ​​por isso. Meu próprio chefe direto não sabe o que faço. É assim que o programa funciona.”

Pasulka o descreve como alguém que nos aeroportos não é impedido por qualquer tipo de procedimento de segurança: “Chegamos ao aeroporto e Tyler passou direto pela segurança, pela primeira classe, pela classe econômica e pelo outro lado. Ele parecia estar literalmente acima da lei.” Seu nome abre portas no Vaticano. Em sua atribuição oficial como pesquisador do programa espacial dos EUA, um de seus papéis é apenas o de estar em determinados lugares em determinados momentos - seus superiores acreditam, aparentemente, que sua presença física produz certos resultados em experimentos e lançamentos de foguetes.

"Certos resultados" é uma frustrante figura de linguagem, mas incorpora uma tensão fundamental no livro. Pasulka documenta o fim de uma longa mudança cultural em relação aos OVNIs, que passa de uma crença marginal para um grande sistema de crenças. Parte dessa mudança é o que Jacques Vallee chama de "Colégio Invisível", uma rede de pesquisadores credenciados e bem colocados que investigam seriamente o fenômeno. "Fenômeno" é o termo cuidadosamente neutro que Vallee usa para a coleta de eventos e efeitos comumente atestados que compõem os avistamentos de OVNIs. O termo é útil para aqueles que tentam aplicar uma estrutura científica ou acadêmica ao assunto, porque não faz reivindicações sobre suas origens. E, de fato, Vallee não acredita que o que as pessoas geralmente identifiquem como extraterrestres provém do espaço. Vallee é agnóstico sobre suas reais origens, mas em vários pontos ele postulou que estes fenômenos podem ser algum tipo de janela para outra dimensão, ou uma ilusão criada para manipulação psicológica.

A credibilidade social do "colégio invisível" poderia - potencialmente - emprestar uma credibilidade valiosa à crença no fenômeno, se eles se revelassem. Mas, por enquanto, o estigma ou os protocolos de trabalho dos seus membros lhes impõem silêncio e anonimato. Em um momento em que o fenômeno OVNI está entre quase (mas ainda não muito) pronto para discussões francas e honestas na sociedade, Pasulka descobre que a figura de linguagem, o pseudônimo e a privacidade militam contra as virtudes acadêmicas da transparência e das trilhas de citação. Essa dinâmica cria uma opacidade frustrante para o leitor: muitas vezes não está claro qual das partes mais loucas da história de Tyler ela realmente confirmou de maneira independente.

No entanto, nenhum desses segredos sugere necessariamente uma conspiração, a menos que seja a mesma que perseguiu todos os sistemas que passaram da crença marginal para uma enorme alavancagem social. Para os romanos, o cristianismo era um culto estranho e possivelmente místico praticado por caipiras e analfabetos - até que, de repente, se tornou a força por trás do império. Os mórmons eram taxados de malucos indesejados que acreditavam em pedras de videntes, índios americanos descendentes de  israelitas e em poligamia. Agora, eles são o rosto do sucesso norte-americano à oeste das Montanhas Rochosas.

Pesquisas mostram que 35% dos americanos acreditam que extraterrestres vieram à Terra no passado e 26% acreditam que alienígenas nos visitaram nos tempos modernos. Isso por si só não cria necessariamente uma nova religião. Os americanos também acreditam, em graus variados, em fantasmas, na Atlântida e em telecinesia. Mas, de acordo com Pasulka, as crenças nos OVNIs exibem outros indicadores clássicos da religião: locais sagrados, revelações sagradas e testemunhos de testemunhas confiáveis ​​de eventos milagrosos.

Em um ponto do livro, Pasulka viaja para um local sem nome no Novo México. A acompanham estão o colega de Tyler e Pasulka, "James", um astrofísico de uma universidade de prestígio e não apenas um crente em OVNIs, mas sim um contatado frequente. (Ele considera o fenômeno indesejável e o descreve como algo que antigamente seria chamado de "demoníaco".) O local não identificado é supostamente onde houve um acidente com uma nave espacial muitos anos atrás. Tyler obteve permissão especial para que os dois acadêmicos visitassem o local e procurarem por artefatos, com a condição de que viajassem com os olhos vendados.

O senso de melodrama de ficção científica não diminui a partir daí. Na verdade, os pesquisadores encontram um artefato, um pedaço de material que desliga um scanner de bagagem do aeroporto, a caminho de casa.

“O material parecia papel de alumínio amassado, mas também se parecia com um tipo de tecido. Estava cheio de sujeira e detritos."

Pasulka não consegue afastar a suspeita de que o artefato foi deliberadamente plantado no local para que ela o encontrasse, e que tudo havia sido armado. Eventualmente, porém, uma equipe de cientistas determinou que o objeto era altamente anômalo, diferente de qualquer material conhecido na Terra.

“Nos estudos religiosos, isso seria um milagre, uma relíquia milagrosa ou um evento milagroso, como uma cura. Claro, não é assim que Tyler e James falariam sobre o local, mas é a minha avaliação. Os locais no Novo México funcionam como os locais sagrados de uma nova religião... Eles são os lugares de uma hierofania, onde seres não humanos desceram à Terra e nos deixaram uma 'doação', como James, rindo, uma vez o chamou.”

Uma hierofania é uma revelação de um ser sagrado, e Pasulka não é o primeiro a fazer a correlação entre a descida de discos voadores brilhantes e anjos brilhantes. O livro Eram os Deuses Astronautas? de Erich von Dänikan, deu origem à crença dos alienígenas do passado, que reinterpreta quase todo o legado religioso e cultural de todas as grandes civilizações antigas como o trabalho de visitantes extraterrestres.

Apesar da inegável idiotice (e suposições racistas envolvidas), o projeto de Giorgio A. Tsoukalos, "Hermenêutica Bíblica dos OVNIs" tornou-se popular. Seus seguidores apontam para as manifestações mais bizarras da Bíblia da presença divina como indicações de que as religiões abraâmicas são construídas por encontros com extraterrestres mal identificados. Por exemplo, a Roda de Ezequiel, tradicionalmente considerada como uma revelação do inefável e terrível Senhor dos Exércitos, é mais bem entendida como uma nave espacial.

A Roda de Ezequiel representada como um OVNI


Na medida em que a religião alienígena é parasitária das escrituras e tradições já estabelecidas, assemelha-se ao que o sociólogo Daniel O'Keefe chama de seita de protesto mágica. Essas seitas surgem quando a religião organizada dominante se sente muito restritiva ou sem vida. Eles expropriam aspectos das religiões que protestam e os adaptam de maneira a permitir que os participantes manipulem diretamente o sagrado.

Portanto, não há necessidade de se submeter a códigos éticos restritivos ou interagir com burocracias eclesiais desidratadas ou corrompidas. Você pode "convocar" OVNIs dos céus, como faz um dos entrevistados de Pasulka. Ou, como Tyler, você pode desenvolver um protocolo pessoal que lhe permita uma "interface" com uma inteligência e uma fonte criativa mais altas.

"Eu basicamente acredito, e há evidências disso, que nosso DNA é um receptor e um transmissor", afirma ele. “Funciona em uma certa frequência - a mesma frequência que usamos para nos comunicar com os satélites no espaço profundo. Os seres humanos são, na verdade, um tipo de satélite. Portanto, para receber os sinais e transmiti-los, precisamos ajustar nosso corpo físico e nosso DNA. Por isso, garanto que durmo muito bem... raramente bebo álcool, pois isso interfere no meu sono e nunca tomo café. O café realmente atrapalha o sinal."

Diagrama explicando conceito de DNA ter propriedades de recepção e envio de sinais eletromagnéticos.


O fato deste protocolo ascético de Tyler ser biotécnico não o torna menos mágico. O famoso ditado de Arthur C. Clarke, de que toda a tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia, também é diferente: a magia pode ser entendida como a capacidade humana de tecnologia aplicada ao sagrado.

O livro de Pasulka argumenta que a religião dos OVNIs também é a religião da tecnologia, o que é convincente. Em parte, isso se refere ao papel da tecnologia na disseminação e popularização dos encontros com OVNI. Sucessos da cultura pop como Star Wars, 2001: Uma Odisseia no Espaço e Arquivo X forneceram uma estrutura narrativa que padroniza experiências individuais de fenômenos inexplicáveis, da maneira que as experiências místicas de um católico podem ser modeladas e interpretadas através das lentes da Doutrina da Igreja.

Se as experiências de mídia sobre OVNIs foram limitadas a alguns sucessos de bilheteria, é difícil ver como isso pode ter os efeitos que Pasulka afirma. Mas o advento de plataformas de micro-mídia como o YouTube e o surgimento de investigações baseadas em falsos documentários como aqueles do History Channel compuseram com Hollywood, aumentando sua magnitude. Qualquer golpista ou vigarista com uma câmera na mão e focado em coisas estranhas pode simular luzes bizarras e objetos em alta velocidade, ou editar filmagens sem fonte para corroborar qualquer uma de suas mais loucas teorias. E eles fazem isso, aos montes, para o desespero dos pesquisadores sérios.

Fazer fotos e vídeos falsos de OVNIs é algo simples


Na verdade, todas as religiões dependem de alguma forma da tecnologia: a relação entre a reforma protestante e a imprensa de Gutenberg é um clichê histórico. O livro American Cosmic argumenta que, para uma religião alienígena ter sucesso, a tela de vídeo não é apenas um componente acidental, mas sim a própria estrutura organizadora que define o conteúdo desta religião, e o ponto de contato entre os crentes e seu objeto de adoração: é a sinagoga, o templo, a mesquita, o tabernáculo, a igreja.

Existe, no entanto, outra maneira pela qual a religião OVNI pode ser classificada como uma religião da tecnologia. Várias pessoas já apontaram que relatos alienígenas possuem semelhanças estranhas com antigos relatos folclóricos e contos de fada mais antigos: as luzes estranhas, as pessoas em miniatura, os distúrbios domésticos, as aparências e os desaparecimentos. Mas o ponto mais relevante pode ser que as fadas foram frequentemente descritas como imitando a aparência e o comportamento da aristocracia. Altos, bonitos e amorais, passavam o tempo caçando, dançando e brigando. Eles não o aceitavam se você invadisse a terra deles.

Hoje em dia, o mais próximo que nós (camponeses) chegamos da riqueza e do poder é usar a tecnologia que torna bilionárias as pessoas que as possuem. Relatos de visitantes imensamente poderosos em posse de tecnologias além da compreensão humana comum, cujas invenções fazem coisas estranhas à mente e que coletam tecidos humanos para seus propósitos: isso certamente poderia descrever um visitante extraterrestres. Mas você não precisa ir além de Palo Alto (EUA) para encontrar seres humanos a quem essas mesmas características possam ser atribuídas. Se as crenças em alienígenas são uma religião emergente, elas podem ser uma tentativa de propiciar e gerenciar a ansiedade em torno dos novos e estranhos deuses que o capital de risco criou. O fato de o livro de Pasulka apresentar fortemente a elite da tecnologia como exemplos principais de crenças alienígenas não diminui essa hipótese; seria surpreendente se o Vale do Silício encontrasse algo mais digno de adoração do que ele próprio.

As BIG FIVE (cinco maiores) atualmente no Vale do Sílício


Se a ufologia se transformará completamente no que atualmente reconhecemos como religião ainda é uma questão em aberto. Por um lado, a conclusão do processo prejudicaria seu apelo atual. Pasulka ressalta que o agora famoso ditado "Eu quero acreditar" é um credo para os agnósticos: a crença nunca é excluída, mas sempre adiada. A crença alienígena permite um cosmos vivo e cheio de gente, sobre-naturalmente selvagem, mas a forma exata desse sobrenatural sempre permanece levemente fora de alcance. Ele fornece uma linguagem de desejo por algo - um visitante angélico, a realização completa de nosso próprio potencial tecnológico, revelação sobre a natureza do Universo - que permanece ilusória.

Ainda assim, há sinais de que a crença alienígena está pronta para se tornar uma das religiões éticas do mundo. As crenças alienígenas geralmente envolvem o mundo em uma situação de maldade e pedem pelo arrependimento de todos - muitos relatos de contatos alienígenas incluem pedidos pelo fim da guerra e um aumento da cooperação humana pacífica. Um artigo recente do New York Times usou uma invasão alienígena como modelo para pensar sobre as mudanças climáticas.

Talvez daqui a cem anos, uma nova seita surgirá em um deserto desolado, dedicado aos estranhos sinais nos céus que antes nos advertiam sobre uma catástrofe. Talvez, com medo e esperança, seus seguidores olhem para o céu em busca de um retorno prometido. A adoração deles terminará com uma reiteração da promessa sagrada: os alienígenas estão chegando. Maranata.




Livre tradução do artigo "Belief in aliens could be America’s next religion" publicado em 18/03/2019 por Clare Coffey em https://theoutline.com/post/7215/american-cosmic-review-aliens-are-extremely-real

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