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OS PONTOS DE VISTA SOBRE OVNIS, POR SAUNDERS E VAN ARSDALE


Publicado em 1968 na revista Perceptual and Motor Skills, o artigo "Points of View About UFOs: A Multidimensional Scaling Study" (Pontos de vista sobre OVNIs: um estudo de escala multidimensional) oferece um olhar inovador sobre o fenômeno dos OVNIs. Em vez de focar nos avistamentos em si, os autores analisam como diferentes pessoas percebem relatos ufológicos, revelando que há, na verdade, cinco estereótipos distintos de atitude frente ao fenômeno. Utilizando escalonamento multidimensional (MDS), uma técnica estatística avançada, eles mapearam essas perspectivas com base em como os participantes avaliavam a similaridade entre 14 relatos de avistamentos, contando 2 casos brasileiros, como o famoso caso da Ilha de Trindade no Brasil em 1958 (que anos mais tarde acabaria sendo considerado com fraude para alguns).

O estudo é altamente confiável do ponto de vista técnico e metodológico. Ele introduz inovações importantes na aplicação do MDS, como o uso de estimativas de comunalidade na análise fatorial — algo que impediu que vieses individuais distorcessem os resultados. As implicações são profundas: o trabalho mostra que as crenças sobre OVNIs não são binárias (crença vs. descrença), mas um espectro complexo que envolve fatores emocionais, cognitivos e sociais.


Os autores

David R. Saunders foi um psicólogo e estatístico da Universidade do Colorado, conhecido por seu papel controverso no Projeto Colorado — uma investigação oficial sobre o fenômeno dos OVNIs conduzida entre 1966 e 1968, sob a liderança do físico Edward Condon. Inicialmente envolvido na pesquisa, Saunders foi afastado após denunciar a falta de imparcialidade do projeto, acusando-o de ter concluído que os OVNIs não mereciam atenção científica antes mesmo do término das investigações. Sua obra posterior, UFOs? Yes! (1968), tornou-se um marco ao defender que havia dados suficientes para levar o fenômeno a sério do ponto de vista científico.

Peter Van Arsdale, por sua vez, é um antropólogo especializado em direitos humanos e metodologias qualitativas, com uma carreira acadêmica consolidada na Universidade de Denver. Embora seu envolvimento direto com o tema dos OVNIs tenha sido pontual, sua expertise em análise de atitudes sociais e percepção contribuiu significativamente para o rigor metodológico do estudo em questão.


1. Ponto de vista preconceituoso

O primeiro grupo ou ponto de vista identificado, chamado de preconceituosa pelos autores, representa indivíduos que encaram os relatos de OVNIs como pura ficção, sem qualquer valor empírico. Esses participantes avaliaram os casos usando poucos critérios — número de objetos, duração do avistamento, ameaça percebida — e ignoraram completamente questões sobre credibilidade, evidências físicas ou testemunhos.

Esse tipo de atitude revela um ceticismo absoluto e inflexível, não necessariamente embasado em lógica científica, mas em desinteresse e negação prévia. Os autores apontam que essa forma de ver os OVNIs é análoga ao preconceito racial estudado por Secord (1959), onde a pessoa "preconceituosa" apresenta dificuldade em distinguir nuances dentro de grupos estigmatizados.

Se não há evidência real, nem explicação natural ou psicológica se faz necessária; o problema dos OVNIs se torna um problema sem sentido.

Esse grupo também demonstrou desconfiança com o governo e uma visão elitista, sugerindo que “quem importa” é inteligente demais para acreditar em extraterrestres. Um dado curioso: os indivíduos desse perfil mostraram-se mais inclinados a concordar com declarações potencialmente racistas — um indício de rigidez cognitiva mais ampla.


2. Ponto de vista partidário

O segundo grupo foi rotulado como "partidário", por refletir as posições oficialmente adotadas pelas autoridades militares e científicas da época. Os indivíduos desse grupo não rejeitam os relatos como ficção, mas acreditam que se tratam de mal-entendidos ou ilusões perceptivas.

Seu foco é o contexto observacional: localização do objeto, sua luminosidade, proximidade ao solo e se o fenômeno descrito é "impossível". Ao invés de buscar aprender com os relatos, esse grupo tenta ajustar as histórias a explicações convencionais, recorrendo à física, meteorologia ou psicologia.

A principal suposição aqui é que todos os observadores são falíveis. Portanto, relatos estranhos se explicam por erros humanos. Os de "linha partidária" confiam nas instituições, afirmando que o governo está fazendo o que pode e que não há necessidade de mais investimento em pesquisas ufológicas.


3. Ponto de vista cético científico

O terceiro perfil é o mais intrigante: o "cético", ou cético científico. Diferente dos dois anteriores, esse grupo leva os relatos a sério, mas com espírito investigativo e cauteloso. O objetivo não é desmentir ou confirmar a presença de extraterrestres, mas explorar se há algo ali que possa gerar conhecimento.

Essas pessoas se concentram na qualidade das testemunhas, nas evidências físicas e na possibilidade de medir ou repetir certos padrões. Valorizam relatos feitos por policiais, militares ou pilotos e demonstram interesse por interferências eletromagnéticas, danos físicos e registros fotográficos.

Na escala de atitudes, esse grupo é altamente crítico das explicações convencionais e vê o tratamento governamental ao tema como fraco ou omisso. Um dado notável: eles rejeitam a ideia de que uma teoria científica possa ser definitiva — uma posição epistemológica sofisticada e rara em temas tão controversos.


4. Ponto de vista crente

No quarto ponto de vista estão os "crentes". Esse grupo parte da premissa de que os relatos descrevem eventos reais e que os OVNIs estão sob controle inteligente. As dimensões de análise desse grupo envolvem intenções: será que os alienígenas querem nos observar? Estão nos testando? Querem nos alertar?

A visão aqui é abertamente antropocêntrica — os OVNIs têm propósitos humanos: mostrar força, provocar medo, interagir com jovens, ou apenas observar. É um raciocínio movido por emoções, simbolismo e sentido.

Apesar disso, o crente mostra confiança na ciência como ferramenta de revelação, defendendo veementemente a existência de evidência objetiva para visitas extraterrestres. Curiosamente, porém, não é tão coerente com outros temas: não se importa com inconsistências lógicas ou com explicações alternativas. Crê porque quer crer — e busca reforços para essa crença.


5. Ponto de vista contatado

Por fim, temos o "contatado" — aquele que acredita ter tido contato direto com inteligências extraterrestres. Este ponto de vista foi o mais complexo e fragmentado, utilizando nove dimensões para classificar os relatos. Na prática, muitos deles enxergavam cada caso como algo único, sem muitos paralelos entre si.

Sua postura se mostra mais mística do que investigativa. Acreditam na existência de inteligência extraterrestre, mas não necessariamente em visitações físicas, pois aceitam os limites científicos (como a velocidade da luz). A interação com ETs seria, para eles, um fenômeno psicológico ou espiritual.

Além disso, muitos "contatados" demonstraram terem vivenciado experiências pessoais com OVNIs, mesmo que intransmissíveis ou subjetivas. Eles se veem como parte de uma elite sensível, capaz de acessar uma realidade que a maioria não compreende. Como os autores admitem, esse perfil é mais especulativo e carece de mais dados — mas sua presença é notável e real.


Concluindo...

O estudo de Saunders e Van Arsdale foi pioneiro ao demonstrar que as atitudes frente ao fenômeno OVNI não se limitam a “acreditar ou não”. Em vez disso, existe um espectro psicológico com múltiplos eixos, que envolve percepção, crença, ideologia, ciência e até espiritualidade.

Os cinco pontos de vista — preconceituosa, partidária, cética, crente e contatado — revelam o quão intrincado é o tecido social e cognitivo em torno dos OVNIs. Mais do que buscar respostas definitivas, o estudo convida à reflexão sobre como percebemos o desconhecido, e como essa percepção pode ser moldada por filtros que vão muito além da razão.

Em um momento histórico em que o fenômeno volta à tona com força, revisitar esse estudo é mais do que pertinente — é essencial.


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