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IGNORÂNCIA ESTRATÉGICA E A BUSCA POR INTELIGÊNCIA EXTRATERRESTRE


Desde meados do século XX, a humanidade testemunha um crescente interesse popular pelo fenômeno dos objetos voadores não identificados (OVNIs). No entanto, esse fascínio coletivo contrasta fortemente com a postura predominantemente cética da comunidade científica, que, em grande parte, evita o assunto ou o trata com escárnio. Em seu artigo Strategic Ignorance and the Search for Extraterrestrial Intelligence, de 08 de março de 2018, o pesquisador Adam Dodd investiga precisamente essa dicotomia: por que os OVNIs são sistematicamente excluídos da investigação científica legítima, apesar de seu amplo apelo público e histórico documental?


Adam Dodd

Adam Dodd é um acadêmico australiano vinculado à School of Communication and Arts da Universidade de Queensland. Seu trabalho se destaca pela intersecção entre comunicação, cultura e ciência. Dodd é conhecido por aplicar ferramentas de análise discursiva em temas controversos, como a forma como o conhecimento e a ignorância são construídos socialmente. Sua reputação é sólida no campo dos estudos culturais e da sociologia da ciência, onde se destaca por abordar questões negligenciadas com profundidade crítica e rigor metodológico. No artigo em questão, ele aplica essas ferramentas para examinar como o discurso científico contemporâneo molda a percepção pública sobre os OVNIs — não apenas pela ausência de evidências, mas por uma construção ativa de ignorância estratégica.


A exclusão retórica dos OVNIs: o caso Stephen Hawking

Dodd inicia sua análise examinando uma fala de Stephen Hawking na conferência TED de 2008, na qual o físico rejeita os relatos de OVNIs com ironia e simplificação. Para Dodd, essa fala se torna exemplar da estratégia discursiva dominante: ao mencionar os OVNIs, Hawking os descredita em poucos segundos com uma piada e associações populares:

Por que eles só aparecem para malucos?

Não ouvimos nenhum quiz show alienígena.

Dodd observa que, apesar de sua brevidade, a retórica de Hawking é poderosa por estar carregada de autoridade científica e capital simbólico.

Segundo Dodd, essa postura não apenas desincentiva a investigação científica do tema, mas também representa um tipo de “ignorância estratégica”, na qual a ciência comunica ao público o que deve ser considerado legítimo. Ele chama atenção para a ausência de engajamento real com os dados empíricos sobre OVNIs e a predominância de falácias lógicas — como o argumento do tipo “ausência de evidência é evidência de ausência”. O autor destaca que essa retórica, vinda de figuras como Hawking, cria um modelo de como pensar (ou não pensar) os OVNIs dentro e fora da academia.

O mais preocupante, segundo Dodd, é que essa abordagem se afasta do espírito científico de curiosidade e abertura, substituindo-o por uma postura defensiva, voltada à preservação de autoridade. Ao ridicularizar o fenômeno em vez de investigá-lo, mesmo em face de décadas de relatos documentados e estudos oficiais (como o Projeto Blue Book), a ciência reforça uma fronteira discursiva que mantém os OVNIs fora do campo do “conhecimento válido”.


A falácia da visitação óbvia: colonizadores cósmicos e expectativas hollywoodianas

Dodd analisa a expectativa popular — e científica — de que, se alienígenas tivessem realmente nos visitado, isso teria acontecido de forma espetacular e inegável. O exemplo clássico dessa suposição é a famosa questão: “Se os alienígenas existem, por que não aterrissaram na Casa Branca?” Essa ideia, amplamente disseminada por filmes e ficção científica, sustenta a noção de que a ausência de uma “visitação hollywoodiana” equivale à ausência de visitação em si.

O autor confronta essa visão ao citar cientistas como Carl Sagan, John A. Ball e outros, que já especularam sobre possibilidades de contato indireto ou formas de interação mais sutis — como vigilância ou observação não intrusiva. A metáfora do “Zoológico Galáctico”, por exemplo, sugere que civilizações avançadas poderiam estar nos estudando à distância, tal como fazemos com animais em reservas naturais.

Além disso, Dodd destaca o antropocentrismo embutido nessa lógica: assumimos que alienígenas teriam desejos expansionistas, colonizadores ou mesmo destrutivos como os nossos. Hawking, por exemplo, chegou a comparar possíveis visitantes alienígenas com colonizadores europeus, afirmando que “não terminou bem para os nativos americanos”. Dodd critica essa analogia como historicamente e biologicamente inconsistente, apontando que a extrapolação de tendências humanas para outras espécies cósmicas carece de base científica.

A conclusão é que esperar por uma manifestação alienígena nos moldes de "Independence Day" não é apenas ingênuo, mas compromete seriamente qualquer análise objetiva sobre o fenômeno. Essa expectativa deturpa o debate e cria um falso dilema: ou os alienígenas se apresentam espetacularmente, ou simplesmente não existem.


O desprezo generalizado pelos relatos: excêntricos, esquisitos e a exclusão cultural

Outro ponto central do artigo é a forma como os cientistas, como Hawking e Martin Rees, desqualificam os relatos de OVNIs por associarem seus autores a estereótipos depreciativos — como “malucos” e “excêntricos”. Dodd analisa como esse tipo de desprezo é mais do que simples zombaria: é uma estratégia discursiva que constrói uma barreira de credibilidade em torno da ciência, enquanto marginaliza aqueles que ousam relatar experiências anômalas.

Dodd mostra que, historicamente, muitos relatos de OVNIs vieram de fontes respeitáveis — pilotos, militares, engenheiros — e que o Projeto Blue Book encontrou centenas de casos inexplicáveis mesmo após análise técnica detalhada. Ainda assim, o estigma social sobre os “crentes em ETs” é tão forte que desestimula tanto o relato quanto o estudo sério do fenômeno.

Esse tipo de desqualificação é descrito como um argumentum ad hominem, em que não se refuta a informação, mas se ataca o caráter de quem a apresenta. Dodd argumenta que a associação automática entre relatos de OVNIs e pessoas “sem credibilidade” é, em si, uma construção cultural — que reforça a fronteira entre o conhecimento “válido” e o “folclórico”, protegendo a autoridade da ciência oficial.

No fim, ao ignorar sistematicamente a legitimidade dos relatos e das testemunhas, a ciência também ignora o próprio fenômeno, perpetuando a ignorância sob a aparência de racionalidade.


A conspiração ineficaz: o problema da contradição e da centralidade

Hawking ironiza a ideia de que governos estariam escondendo provas de contato alienígena ao dizer que, se fosse verdade, seria “uma política singularmente ineficaz”. Porém, Dodd mostra que o próprio Hawking contradiz essa afirmação em sua série Into the Universe, onde afirma que, se há um acobertamento, “os governos estão fazendo um trabalho melhor do que em qualquer outra área”.

Essa contradição serve, para Dodd, como exemplo de uma liberdade discursiva peculiar: cientistas de renome podem tratar de assuntos fora de sua expertise (como política ou sociologia) sem enfrentar consequências, desde que sua autoridade geral permaneça intacta. Isso reforça o que Dodd chama de “trabalho de face” — a manutenção pública de uma imagem de credibilidade.

Além disso, o autor discute o que o sociólogo Ron Westrum chama de “falácia da centralidade”: a ideia de que, se algo fosse verdadeiramente importante (como a visita de alienígenas), nós já saberíamos — ou mais precisamente, eu, indivíduo bem-informado, já saberia. Essa ilusão de onisciência, típica de figuras centrais na academia, impede a consideração de eventos ou informações que, por motivos diversos, não circularam nos canais convencionais de conhecimento.

O resultado é a construção de uma realidade “oficial” na qual o fenômeno OVNI não existe, não porque tenha sido refutado, mas porque foi consistentemente ignorado.


A piada do quiz show alienígena: SETI, o ridículo e evidência inalcançável

Hawking conclui sua fala na TED com uma piada: “não ouvimos nenhum quiz show alienígena vindo do espaço”. Dodd interpreta essa piada como uma redução ao absurdo que, além de ridicularizar o projeto SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence), reforça a ideia de que a ausência de sinais convencionais é suficiente para negar a existência de inteligência extraterrestre.

No entanto, essa abordagem ignora a vastidão do universo e a probabilidade de que civilizações tecnológicas possam operar em faixas de frequência que ainda não conhecemos — ou de formas completamente não tecnológicas. Pior: reforça o pressuposto de que uma civilização avançada se pareceria conosco.

Dodd critica a ideia de que só consideraremos válida a presença alienígena quando ela se enquadrar nos nossos moldes — com tecnologia parecida, comportamento similar e meios de comunicação familiares. Essa exigência por uma “evidência extraordinária”, como abduções documentadas ou encontros formais, cria um obstáculo intransponível à investigação: exige-se um tipo de prova que o fenômeno, por natureza, não fornece.

A consequência é que, enquanto se investem bilhões em procurar vida no “profundo espaço” ou em planetas distantes, nega-se sistematicamente o que está mais perto: os relatos de testemunhas, os dados militares e os registros históricos de objetos anômalos nos céus da Terra.


Concluindo...

Adam Dodd oferece uma crítica contundente ao modo como a ciência contemporânea lida com o fenômeno dos OVNIs. Longe de negar ou afirmar a origem extraterrestre dessas ocorrências, ele argumenta que o verdadeiro problema está na maneira como o assunto é excluído do debate científico por meio de estratégias discursivas, falácias lógicas e convenções culturais.

Seu artigo mostra que o silêncio da ciência sobre os OVNIs não é acidental nem neutro — é construído, repetido e sustentado por uma elite científica preocupada em manter sua “reputação” e autoridade diante do público. Assim, em vez de explorar o desconhecido com curiosidade e método, a ciência se fecha em dogmas, travestidos de ceticismo.

No fim das contas, o que Dodd propõe não é acreditar nos OVNIs, mas reconhecer que ignorá-los deliberadamente — em vez de investigá-los com rigor — é uma escolha política, cultural e institucional. E essa escolha nos diz muito mais sobre nós mesmos do que sobre o que (ou quem) pode estar nos observando do céu.

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