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POR QUE NÃO DEVEMOS TRATAR TODAS AS TEORIAS DE CONSPIRAÇÃO DA MESMA FORMA



Desde que o coronavírus se espalhou pelo mundo, proliferaram diversas suspeitas sobre sua real natureza. Surgiram perguntas a respeito da origem do vírus, sobre a maneira como ele adoece as pessoas, sobre as medidas de mitigação tomadas, sobre os direitos civis que foram suspensos, sobre a conexão dele com o 5G, sobre possíveis curas e medicamentos, e sobre o papel de Bill Gates em tudo isso.

Essas idéias são comumente enquadradas como teorias da conspiração. Sim, todas elas desconfiam da narrativa convencional e compartilham de certas características, mas elas não são todas a mesma coisa.

Elas assumem tantas formas diferentes e têm tantos graus variados de plausibilidade que eu questiono o quanto é útil colocá-las todas "no mesmo saco". Para entender e responder efetivamente às várias teorias de conspiração sobre o coronavírus, precisamos nos aprofundar nelas.

A explicação predominante para a popularidade das teorias da conspiração por coronavírus é notavelmente semelhante: essas idéias sombrias e perturbadoras ajudam as pessoas a entender um mundo complexo e incerto. Elas fornecem explicações suficientemente complexas para eventos trágicos e, emocionalmente, dão a sensação de que a pessoa está fazendo algo a respeito e de que ela está no controle.

Como essas idéias às vezes têm consequências no mundo real, como atear fogo a antenas 5G ou ignorar as medidas de mitigação do coronavírus, vários comentaristas condenam veementemente essas teorias da conspiração. As autoridades agora precisam não apenas combater uma pandemia de saúde, como também uma infodemia conforme ela avança.



Reconhecendo a diversidade e o contexto

O problema com a abordagem da generalização é triplo. Ele não explica as motivações dos próprios teóricos da conspiração; nem pelas diferentes formas e plausibilidade das várias teorias da conspiração; nem por suas relações com várias questões políticas e sociais.

Fornecer explicações uniformes para as teorias da conspiração deixa de considerar seriamente o conteúdo delas ou as preocupações subjacentes nela presentes. Da mesma forma, deixa intocado como certas teorias da conspiração na verdade são usadas como armas em várias guerras de propaganda.

As pessoas defendem as teorias da conspiração por várias razões diferentes. EPA-EFE / Scott Barbour


Um olhar mais atento a essas teorias ou, ainda melhor, ao envolvimento real com as pessoas que as propagam, mostra as teorias da conspiração não apenas como uma estratégia de enfrentamento uniforme em tempos perturbadores, mas também como uma ampla variedade de expressões culturais.

Isso inclui suspeitas de esforços planejados para impor vacinas em massa, dúvidas sobre as origens do vírus, expressões de repulsa pela elite dominante, insinuações geopolíticas, indicadores de pânico inflado na mídia, bodes expiatórios de certos grupos da sociedade (chineses ou judeus), críticas sobre os métodos e medidas dos sintomas e mortes do COVID-19, descontentamento com poderosos filantropos, preocupações com a expansão de políticas governamentais autoritárias ou ainda preocupações com a invasão corporativa na busca por medicamentos mais eficazes.

Isso significa, como o autor deste artigo afirmou em seu mais recente livro, que precisamos nos concentrar no significado, na diversidade e no contexto das diferentes teorias da conspiração, bem como nas pessoas que acreditam nelas.



Diferentes subculturas da teoria da conspiração

Durante os projetos de pesquisa etnográfica sobre culturas conspiratórias contemporâneas que o autor deste artigo fez, ele encontrou uma grande variedade de pessoas, idéias, práticas e comunidades. Como as teorias da conspiração ligadas ao coronavírus ainda não se estabeleceram, vejamos algumas subculturas marcadamente diferentes da teoria da conspiração que existem há mais tempo. Elas ilustram como podem ser diferentes as teorias da conspiração e as pessoas que acreditam nelas.

Começando com o movimento anti-vacinação - algo de grande preocupação para muitos. Como muitos anti-vacinas no mundo ocidental são hipsters urbanos altamente educados, é difícil rejeitá-los como deploráveis e ignorantes.

Parecida com a crítica às grandes indústrias farmacêuticas, a hesitação quanto às vacinas é alimentada por idéias holísticas e naturalistas sobre saúde e corpo; idéias enraizadas na medicina alternativa e nas espiritualidades da Nova Era. Nesses mundos subculturais, emoções, sentimentos, experiências, testemunhos e relações sociais já costumam ser guias mais importantes do que o conhecimento científico.

Pessoas que são contra vacinas frequentemente tem boa educação. Shutterstock


Mas as pessoas ativas no Movimento da Verdade Sobre o 11 de Setembro são diferentes. Amplamente interessadas em geopolítica e encobrimentos do governo, essas pessoas desafiam a narrativa convencional do 11 de setembro com evidências factuais e científicas diferentes das apresentadas pela versão oficial. Eles apresentam provas visuais e cálculos matemáticos que explicam por que as torres não poderiam ter desabado devido ao choque com os aviões, mas sim por meio de uma demolição controlada.

Esses ativistas professam conhecimento de física, construção e explosivos, e fundamentam sua legitimidade com base nessas experiências. Eles estão focados em "expor as mentiras oficiais". Como verdadeiros ativistas, eles desejam mudanças revolucionárias, "para acabar com o regime e as estruturas de poder ilícitas responsáveis pelo 11 de setembro".



Divertido ou perigoso?

A lista de subculturas conspiratórias evidentemente diferentes poderia continuar. Pense sobre os teóricos da Terra Plana, que empregam várias metodologias científicas e realizam experimentos reais para mostrar que o planeta Terra não é um globo, mas sim uma cúpula, do tipo visto no filme "O Show de Truman".

Mas favorecer o pensamento racional e os métodos científicos não é, contudo, garantia para esta irmandade. Aqueles que creem na conspiração do 9/11 geralmente ficam longe dos terraplanistas, pois isso prejudicaria sua credibilidade.

Enquanto isso, os seguidores de QAnon se utilizam de várias estratégias para interpretar as mensagens secretas de seu líder anônimo, Q. Elas são conhecidas como "migalhas" ou "gotas", e fazem parte de sua busca pela verdade e pela redenção. Compartilhando de muitas características com os Novos Movimentos Religiosos do novo milênio, os seguidores da QAnon antecipam um apocalipse violento quando a conspiração for exposta e seus seguidores, justificados.

Esta breve visão geral já mostra a grande variedade de temas, ideologias, plausibilidades, origens, pessoas e perigos potenciais de diferentes subculturas da teoria da conspiração. Considerar as teorias da conspiração como um coisa uniforme obscurece todas essas diferenças e as várias dinâmicas sociais nas quais as teorias da conspiração desempenham um papel.

Isso inevitavelmente leva a explicações simplistas. Além disso, tem o efeito político de estigmatizar coletivamente certas idéias e pessoas - e excluí-las prematuramente do debate político legítimo. As teorias da conspiração não são uniformes - assim como os nossos compromissos com elas.







Livre tradução do artigo "Why we should not treat all conspiracy theories the same" publicado  em 11/06/2020 por Jaron Harambam e disponível em https://theconversation.com/why-we-should-not-treat-all-conspiracy-theories-the-same-140022 

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