CAPITALISMO DE VIGILÂNCIA

Shoshana Zuboff on surveillance capitalism - a VPRO Documentary é um excelente e imperdível documentário holandês  sobre as incursões drásticas que as Big Tech estão fazendo em nossas vidas, centrando-se nas investigações da professora da Harvard Business School, Shoshana Zuboff, autora do livro The Age of Surveillance Capitalism. Veja abaixo:

Os nossos dados pessoais como usuários são o novo ouro que está sendo roubado, comercializado, comprado e vendido. Tudo o que você faz online - e cada vez mais offline - está sendo gravado e vendido.

Como Zuboff diz:

O termo "capitalismo de vigilância" não é arbitrário. Por que vigilância? Porque devem ser operações projetadas como indetectáveis, indecifráveis, envoltas em retórica que visa desviar, ofuscar e simplesmente enganar a todos nós o tempo todo.

É muito difícil ter um conceito a respeito disso, e por uma boa razão: não é devido a nossa estupidez, mas sim porque esses processos foram ofuscados. Eles operam furtivamente. Eles foram projetados para serem indecifráveis, indetectáveis, para criar ignorância a respeito disso no vasto grupo que todos nós fazemos parte, e que eles chamam de "usuários".

Nossa ignorância é a felicidade deles.

Este é um modelo de negócios que depende da extração do que chamam de dados de "excedente comportamental" que, por sua vez, é vendido para grandes empresas que desejam maximizar nosso valor para elas.

Nossos dados são vendidos a terceiros, que os vendem a terceiros, ad infinitum. Deus sabe onde os dados terminam, e nenhuma das partes se responsabiliza pelo que a parte à qual venderam os dados faz com eles.

Nós acreditamos que a única informação pessoal que eles têm sobre nós é o que fornecemos a eles, e achamos que podemos exercer um certo controle sobre o que lhes damos e, portanto, achamos que nosso cálculo, que nossa troca é algo que está sob nosso controle, já que supostamente nós entendemos o que está havendo.

Mas o que realmente está acontecendo é que nós de fato fornecemos informações pessoais, mas essas informações são as MENOS IMPORTANTE das que eles coletam sobre nós.

Zubroff explica ainda como, nos primeiros dias desse negócio, por volta dos anos 2000/2001, a localização e outros dados envolvidos no fornecimento de serviços on-line eram considerados "resíduos" ou "descarga digital".

Isso ocorre porque os direitos garantidos pela 4ª emenda da constituição norte-americana a todos os usuários não havia sido brutalmente violada pelas Big Tech - e, mais importante, ainda não éramos acostumamos a essa invasão ilegal da privacidade, que correu paralelamente aos abusos de privacidade promovidos pelo Patriot Act . Enquanto isso, tornou-se cada vez mais evoluída a compreensão das Big Techs de que esses resíduos possuíam uma enorme riqueza como massa de dados preditivos comportamentais.

Todo esse "excedente comportamental" nesses fluxos de dados está sendo usado para construir a Internet das Coisas, que é uma simulação on-line do mundo físico, com robustas capacidades preditivas.

Mais assustador ainda, foi estabelecido que esses dados podem ser manipulados para influenciar o comportamento em massa e as emoções no mundo real - e que isso pode ser feito enquanto ignora a conscientização do usuário.

Um experimento lucrativo e em escala global, no qual a maioria de nós já ouviu falar, foi o jogo Pokémon Go, que reuniu jogadores dispostos a participar de um jogo ostensivo, que na verdade era sobre (obscuramente) atrair os jogadores a lugares previstos que eles iriam (ginásios) - e fazê-los comprar (microtransações).

Economias baseadas em ação usando métodos de controle remoto implicam na automatização do comportamento, projetando o comportamento das pessoas para atingir os fins comerciais de outras pessoas - enquanto você está se divertindo.

Você deve sentir-se servido, saturado de conveniência, para que você não perceba e não reclame [do que eles estão fazendo], e toda essa operação oculta permanecerá assim porque você não fará perguntas, porque está ocupado demais sendo entretido.

Não é mais o bastante saber apenas sobre os seus hábitos de navegação. Eles querem saber sobre sua caminhada no parque e o que você está fazendo no seu carro e em sua casa. As empresas estão migrando ativamente dos dados sobre os cliques coletados em uma página da Web para os chamados dados de footfall, que capturam o comportamento físico dos usuários por meio de geolocalização, wifi e cameras, e também os dados coletados clandestinamente por microfones ocultos, como foi descoberto nos aparelhos Google Nest Smart Home.

Quando o Google anunciou que sua linha Nest agora seria compatível com a função de controle de voz integrada ao Google Assistant (semelhante à Alexa da Amazon e outros assistentes digitais semelhantes), isso obviamente significava que o dispositivo precisaria ter um microfone. Mas nenhum microfone foi anunciado ou mostrado em nenhum esquema de usuário dos dispositivos Nest. O Google afirmou que a omissão foi um "erro".

O negócio deles é: ofuscar, desviar, projetar nossa ignorância com mecanismos e métodos indetectáveis, indecifráveis ​​- e, se forem confrontados, negar. Neguem pelo maior tempo possível, até que as pessoas se habituem.

O capital de investimento favoreceu tanto esse modelo que Zubroff o chamou de "dividendo de vigilância". Agora, as empresas automobilísticas estão entrando em ação, buscando entrar na capitalização de mercado do Facebook e do Google redirecionando seus carros como verdadeiros veículos de vigilância.

Uma empresa como a Ford pode combinar esses dados de vigilância com os dados do Ford Credit e os conjuntos de dados combinados podem colocá-los em pé de igualdade ou acima dos potenciais capitalistas de vigilância. "Quem não gostaria de investir na Ford nessas circunstâncias?", Zubroff pergunta.

Zuboff acha que estamos vivendo uma barganha faustiana, e que os cidadãos do século XXI não deveriam escolher entre "tornar-se analógicos ou viver em um mundo em que nossa autodeterminação e nossa privacidade são destruídas por causa dessa lógica de mercado." Isso é inaceitável.

O capitalismo da vigilância é algo sem precedentes, portanto, precisaremos das leis e de regimes regulatórios que respondem diretamente a essas novas operações sem precedentes.

As novas legislações GDPR da UE e LGPD no Brasil sobre uso de dados pessoais pelas Big Techs tratam apenas das informações abertas do usuário, não tratam do "excesso de comportamento" que constituem a maior parte dos dados e interesse coletados, como reconhecimento facial, reconhecimento de voz, etc.

Eles reivindicam estes dados como algo que é da posse deles. Mas eles os tiraram diretamente de nossas vidas, de nossas experiências particulares, sem a nossa permissão, analisando-os, transformando-os em produtos, os vendendo e lucrando. Isso é lucro ilegítimo. Porque eles pegaram os dados iniciais, no começo, sem permissão, sem nosso conhecimento - lembre-se - ignorando nossa consciência.

Esses últimos 20 anos tem sido uma lua-de-mel para o capitalismo da vigilância, porque foram 20 anos praticamente sem impedimentos legais... por quê? Bem, o motivo mais importante é que eles estão fazendo coisas que nunca foram feitas antes, então não há leis contra isso. Nós ainda nem tentamos impedi-los.

Veja: o capitalismo da vigilância tem 20 anos de idade. Já a democracia tem vários séculos. Eu aposto na democracia.

Livre tradução do artigo Surveillance Capitalism publicado em 20/01/2020 por Alexandra Bruce no site Forbidden Kknowledge TV