O jornalista Frederico Duarte Carvalho afirma que Portugal é "uma pequena reserva de políticos" à disposição dos Bilderberg quando não há mais alternativas.
Jornalista profissional, há muito tempo que Frederico Duarte Carvalho se interessa pelo Grupo Bilderberg e em como ele influencia a política e a economia global. Anos de interesse resultaram finalmente no livro "O Governo Bilderberg – Do Estado Novo aos nossos dias", sobre um grupo a quem ele chama de "os senhores do mundo", alertando que "nunca tiveram tanto poder em Portugal". "A maior prova disso é quem está hoje à frente do governo português, da oposição e da Presidência da República: são todas pessoas escolhidas por Balsemão (Francisco Pinto Balsemão, empresário do ramo de comunicação e ex-primeiro ministro de Portugal nos anos 1980)", disse Duarte Carvalho, apontando o dono da Impresa como o homem forte dos Bilderberg em Portugal.
De que forma a história de Portugal se entrelaça com a do Grupo Bilderberg?
Este pequeno país consegue ser importante para os senhores do mundo. A partir da II Guerra Mundial, o mais importante para o grupo era a união europeia, a unificação política e econômica da Europa, e para isso era necessária a unificação da Alemanha [oriental e ocidental]. Criaram as condições para que não parecesse uma vitória nem de um lado nem do outro [da Guerra Fria], e começaram de fora para dentro, ou seja, pelos países do sul e em volta da Alemanha, para que isso se tornasse uma inevitabilidade política. Portugal e Espanha nunca poderiam ter entrado [no plano] se fossem ditaduras e, portanto, o Grupo Bilderberg procurou desde o início controlar a História. E Portugal, como potência colonial, era muito interessante, e tinha sido membro fundador da OTAN, apesar de ser uma ditadura. Os Bilderberg são o braço político da OTAN.
Quais foram os principais momentos dessas intervenções?
Durante o período de Salazar, os Bilderberg estiveram mais ou menos controlados. Não houve grandes momentos, foi algo bastante linear e tranquilo. Mas houveram momentos decisivos, como quando convidam o ministro [dos Negócios Estrangeiros de Salazar] Franco Nogueira, em 1967, e ele trouxe um documento de Cambridge sobre o futuro da OTAN onde já era dito o que ocorre nos dias atuais: que com o fim da URSS, seus países satélites seriam atraídos para a OTAN. Quando falo do grupo, não estou falando de algum senhor em frente a um computador controlando tudo o que acontece: há uma conjugação de interesses que ocorrem de forma natural, orgânica e harmoniosa. Depois, quando Vítor Constâncio vai [à reunião], em 1978, foi a primeira vez que os Bilderberg saíram da alçada dos negócios internacionais e entraram finalmente no campo da economia. E, por fim, quando Balsemão se torna primeiro ministro, em 1981, e acaba sendo convidado para o grupo, ficando como membro permanente até 2015.
Qual a importância de Portugal depois da adesão à CEE?
Entramos para a CEE [Comunidade Econômica Europeia, embrião da União Europeia] em 1986, e três anos depois caiu o Muro de Berlim. O grande objetivo político foi alcançado, e tornou-se necessário tratar da construção econômica com uma moeda única: o Euro. Portugal acabou sendo muito importante. Ao adotarmos o Euro, mostramos que até um pequeno país do sul da Europa poderia ter a mesma moeda que a Alemanha. Simbolicamente fomos muito importantes. Mas nossa importância foi, sobretudo, pela criação de políticos que podiam ser usados quando a Europa se encontrasse complicada demais. Portugal, país pequeno e simpático, é sempre uma pequena reserva. Quando os outros não se entendem, um político português pode sempre funcionar muito bem, como foram os casos de Barroso e Antonio Guterres.
No livro, você se refere ao anticomunismo do grupo, e deixa no ar a ideia de o caso Casa Pia [escândalo de abuso sexual de menores] veio à tona para prejudicar Ferro Rodrigues [político socialista português].
Quem disse isso foi Daniel Estulin. Limito-me a constatar um encontro entre Durão Barroso e Ferro Rodrigues em Paris, dias antes de Paulo Pedroso ser detido. Balsemão era primeiro-ministro em 1982, quando o caso Casa Pia começou, e Teresa Costa Macedo tinha os relatórios - esses são os fatos. Estulin faz a ligação, e diz que muitas foram as vezes em que acusações de pedofilia foram usadas para controlar políticos. Para mim, é algo feito pelos Bilderberg ou por membros do grupo. Suas reuniões anuais são como aquelas em que CEO’s decidirem s estratégias de suas empresas, neste caso, o mundo - nomeadamente os EUA e a Europa. Não vou dizer que a Casa Pia partiu dos Bilderberg, mas envolveu pessoas de lá, isso é óbvio.
Você diz que tudo aconteceu porque Ferro Rodrigues ponderava uma aliança com o PCP.
Na época falou-se nisso e ainda era algo visto como estranho, isso sim. Pode ser que Ferro Rodrigues tenha dado um passo maior que a perna e tenha pago um preço alto demais por conta disso. Mas que houve muita proteção à Barroso, houve. Wilfried Martens [então presidente do Partido Popular Europeu] veio a Portugal para um almoço com Barroso,que lhe disse que, se não encontrassem mais ninguém, que estaria disposto a sair no meio de seu mandato para a Comissão Europeia. Já estava se preparando para tal e via-se que estava muito coordenado com Balsemão. Em 2015, tornou-se seu sucessor nos Bilderberg. Os convites de Balsemão foram sempre democráticos na polarização: convidava alguém do PS e então alguém do PSD, jogando sempre com ambos os lados. Se alguém sai da linha, os Bilderberg atuam.
Qual é a real influência de Balsemão?
É a comunicação social, e ele é o número 1 no PSD. A televisão dele é que põe e dispõe as pessoas que devem ser ouvidas e, por muita independência dos jornalistas, tem sempre a última palavra – é ele quem assina os cheques, afinal. Se ele não é respeitado por quem ele escolheu para ir aos Bilderberg, há toda uma conjugação. A maior prova disso tudo é quem está liderando atualmente Portugal, a oposição e a Presidência da República: são todas pessoas escolhidas por Balsemão. Ao chegar ao governo com um acordo com o PCP e o BE, Antonio Costa conseguiu domar a esquerda, o que é extraordinário, e os Bilderberg estão agradecidos. Os Bilderberg nunca tiveram tanto poder em Portugal.
Até que ponto a ida de uma pessoa a uma reunião faz com que ela pertença ao grupo?
Quando se vai a uma reunião dos Bilderberg, é como ir a uma espécie de entrevista de emprego. A pessoa é convidada por já ter feito algumas coisas e por poder fazer mais coisas; a pessoa vai para se integrar com amigos. A pessoa fica em um monástico junto às personalidades mais influentes do mundo, criando um ótimo networking. A pessoa sabe que trilhou um caminho, e que se continuar, vai ser protegida pelo grupo. Volte ela ao grupo ou não, ela terá o telefone do representante daqui [Portugal] que, por sua vez, poderá ligar a duas ou três personalidades chave no mundo. Isso é um poder extraordinário. Essas pessoas também se beneficiarão dos relatórios que são feitos todos os anos. Mas ir a uma reunião não faz uma pessoa ganhar muita importância. O Santana Lopes foi a uma das reuniões dos Bilderberg e só tem tido problemas. Se bobear, justamente por não ter respondido a alguma coisa da forma que os Bilderberg gostariam que ele tivesse respondido; ele foi usado na transição entre Barroso e Sócrates. Se a pessoa se alinhar aos Bilderberg, ela será protegida pelos seus membros enquanto ela for útil.
Quais as consequências das ações dos Bilderberg para a democracia portuguesa?
Estamos subjugados ao poder orçamental de Bruxelas [união europeia]. A democracia é um bem demasiado precioso, e temos de cuidar dela todos os dias, mesmo que esteja ameaçada e controlada há muito tempo. Salazar respeitava a democracia, por isso é que a punia e não a queria. Os Bilderberg não a respeitam, e por isso não se importam com ela.
De que forma a história de Portugal se entrelaça com a do Grupo Bilderberg?
Este pequeno país consegue ser importante para os senhores do mundo. A partir da II Guerra Mundial, o mais importante para o grupo era a união europeia, a unificação política e econômica da Europa, e para isso era necessária a unificação da Alemanha [oriental e ocidental]. Criaram as condições para que não parecesse uma vitória nem de um lado nem do outro [da Guerra Fria], e começaram de fora para dentro, ou seja, pelos países do sul e em volta da Alemanha, para que isso se tornasse uma inevitabilidade política. Portugal e Espanha nunca poderiam ter entrado [no plano] se fossem ditaduras e, portanto, o Grupo Bilderberg procurou desde o início controlar a História. E Portugal, como potência colonial, era muito interessante, e tinha sido membro fundador da OTAN, apesar de ser uma ditadura. Os Bilderberg são o braço político da OTAN.
Quais foram os principais momentos dessas intervenções?
Durante o período de Salazar, os Bilderberg estiveram mais ou menos controlados. Não houve grandes momentos, foi algo bastante linear e tranquilo. Mas houveram momentos decisivos, como quando convidam o ministro [dos Negócios Estrangeiros de Salazar] Franco Nogueira, em 1967, e ele trouxe um documento de Cambridge sobre o futuro da OTAN onde já era dito o que ocorre nos dias atuais: que com o fim da URSS, seus países satélites seriam atraídos para a OTAN. Quando falo do grupo, não estou falando de algum senhor em frente a um computador controlando tudo o que acontece: há uma conjugação de interesses que ocorrem de forma natural, orgânica e harmoniosa. Depois, quando Vítor Constâncio vai [à reunião], em 1978, foi a primeira vez que os Bilderberg saíram da alçada dos negócios internacionais e entraram finalmente no campo da economia. E, por fim, quando Balsemão se torna primeiro ministro, em 1981, e acaba sendo convidado para o grupo, ficando como membro permanente até 2015.
Qual a importância de Portugal depois da adesão à CEE?
Entramos para a CEE [Comunidade Econômica Europeia, embrião da União Europeia] em 1986, e três anos depois caiu o Muro de Berlim. O grande objetivo político foi alcançado, e tornou-se necessário tratar da construção econômica com uma moeda única: o Euro. Portugal acabou sendo muito importante. Ao adotarmos o Euro, mostramos que até um pequeno país do sul da Europa poderia ter a mesma moeda que a Alemanha. Simbolicamente fomos muito importantes. Mas nossa importância foi, sobretudo, pela criação de políticos que podiam ser usados quando a Europa se encontrasse complicada demais. Portugal, país pequeno e simpático, é sempre uma pequena reserva. Quando os outros não se entendem, um político português pode sempre funcionar muito bem, como foram os casos de Barroso e Antonio Guterres.
No livro, você se refere ao anticomunismo do grupo, e deixa no ar a ideia de o caso Casa Pia [escândalo de abuso sexual de menores] veio à tona para prejudicar Ferro Rodrigues [político socialista português].
Quem disse isso foi Daniel Estulin. Limito-me a constatar um encontro entre Durão Barroso e Ferro Rodrigues em Paris, dias antes de Paulo Pedroso ser detido. Balsemão era primeiro-ministro em 1982, quando o caso Casa Pia começou, e Teresa Costa Macedo tinha os relatórios - esses são os fatos. Estulin faz a ligação, e diz que muitas foram as vezes em que acusações de pedofilia foram usadas para controlar políticos. Para mim, é algo feito pelos Bilderberg ou por membros do grupo. Suas reuniões anuais são como aquelas em que CEO’s decidirem s estratégias de suas empresas, neste caso, o mundo - nomeadamente os EUA e a Europa. Não vou dizer que a Casa Pia partiu dos Bilderberg, mas envolveu pessoas de lá, isso é óbvio.
Você diz que tudo aconteceu porque Ferro Rodrigues ponderava uma aliança com o PCP.
Na época falou-se nisso e ainda era algo visto como estranho, isso sim. Pode ser que Ferro Rodrigues tenha dado um passo maior que a perna e tenha pago um preço alto demais por conta disso. Mas que houve muita proteção à Barroso, houve. Wilfried Martens [então presidente do Partido Popular Europeu] veio a Portugal para um almoço com Barroso,que lhe disse que, se não encontrassem mais ninguém, que estaria disposto a sair no meio de seu mandato para a Comissão Europeia. Já estava se preparando para tal e via-se que estava muito coordenado com Balsemão. Em 2015, tornou-se seu sucessor nos Bilderberg. Os convites de Balsemão foram sempre democráticos na polarização: convidava alguém do PS e então alguém do PSD, jogando sempre com ambos os lados. Se alguém sai da linha, os Bilderberg atuam.
Qual é a real influência de Balsemão?
É a comunicação social, e ele é o número 1 no PSD. A televisão dele é que põe e dispõe as pessoas que devem ser ouvidas e, por muita independência dos jornalistas, tem sempre a última palavra – é ele quem assina os cheques, afinal. Se ele não é respeitado por quem ele escolheu para ir aos Bilderberg, há toda uma conjugação. A maior prova disso tudo é quem está liderando atualmente Portugal, a oposição e a Presidência da República: são todas pessoas escolhidas por Balsemão. Ao chegar ao governo com um acordo com o PCP e o BE, Antonio Costa conseguiu domar a esquerda, o que é extraordinário, e os Bilderberg estão agradecidos. Os Bilderberg nunca tiveram tanto poder em Portugal.
Até que ponto a ida de uma pessoa a uma reunião faz com que ela pertença ao grupo?
Quando se vai a uma reunião dos Bilderberg, é como ir a uma espécie de entrevista de emprego. A pessoa é convidada por já ter feito algumas coisas e por poder fazer mais coisas; a pessoa vai para se integrar com amigos. A pessoa fica em um monástico junto às personalidades mais influentes do mundo, criando um ótimo networking. A pessoa sabe que trilhou um caminho, e que se continuar, vai ser protegida pelo grupo. Volte ela ao grupo ou não, ela terá o telefone do representante daqui [Portugal] que, por sua vez, poderá ligar a duas ou três personalidades chave no mundo. Isso é um poder extraordinário. Essas pessoas também se beneficiarão dos relatórios que são feitos todos os anos. Mas ir a uma reunião não faz uma pessoa ganhar muita importância. O Santana Lopes foi a uma das reuniões dos Bilderberg e só tem tido problemas. Se bobear, justamente por não ter respondido a alguma coisa da forma que os Bilderberg gostariam que ele tivesse respondido; ele foi usado na transição entre Barroso e Sócrates. Se a pessoa se alinhar aos Bilderberg, ela será protegida pelos seus membros enquanto ela for útil.
Quais as consequências das ações dos Bilderberg para a democracia portuguesa?
Estamos subjugados ao poder orçamental de Bruxelas [união europeia]. A democracia é um bem demasiado precioso, e temos de cuidar dela todos os dias, mesmo que esteja ameaçada e controlada há muito tempo. Salazar respeitava a democracia, por isso é que a punia e não a queria. Os Bilderberg não a respeitam, e por isso não se importam com ela.
Entrevista de Ricardo Cabral Fernandes, publicada em 19/02/2019 em https://ionline.sapo.pt/647271 - adaptados alguns termos para o português do Brasil.
0 Comentários
Todos os comentários serão moderados e publicados o mais breve possível.