O antigo oficial da inteligência russa é, provavelmente, uma das pessoas que mais sabe a respeito daquele que já foi um dos grupos mais poderosos do planeta.
Em sua página da Wikipédia, você é definido como um teórico da conspiração. Você se reconhece nesta descrição?
A Wikipédia não é uma boa fonte de informações. É uma ferramenta da elite financeira e banqueira liberal. Eu sou doutor em Inteligência Conceitual. Sou também um antigo coronel da contrainteligência militar russa, com 24 anos de serviço. Sou consultor de dois presidentes e criei um programa de formação para chefes do Estado-Maior de três países. Fui nomeado para o prêmio Nobel da Paz em 2015. Além disso, não sou "lituano", mas sim um oficial soviético/russo. Nasci na República Socialista Soviética da Lituânia. O meu pai é de Leninegrado e a minha mãe de Minsk, na República Socialista Soviética da Bielorrússia.
Você realmente crê que o Grupo Bilderberg é "o pior mal que o mundo alguma vez viu"?
Não, não penso. Nunca disse isso. Atribuíram-me afirmações que nunca fiz. Não sou um teórico da conspiração, mas doutor em Inteligência Conceitual. No mundo das finanças internacionais existem aqueles que conduzem e aqueles que reagem aos acontecimentos. Aqueles que reagem aos acontecimentos são mais conhecidos, maiores em número, aparecem nas capas das revistas e dão entrevistas à imprensa mainstream; apesar de aparentemente mais poderosos, o maior poder está nas mãos daquelas pessoas que conduzem os acontecimentos. No centro do sistema financeiro global está a oligarquia financeira, hoje representada pelos interesses supranacionais. O Grupo Bilderberg é uma dessas organizações. Não é o olho maléfico no topo da pirâmide maçônica, como os teóricos da conspiração proclamam, mas sim uma das organizações supranacionais que influenciam o resultado dos acontecimentos internacionais.
Você acha que o Grupo Bilderberg é uma ameaça para a democracia?
O Grupo Bilderberg é um encontro de pessoas que representam uma certa ideologia. É um meio de juntar instituições financeiras que representam os maiores e mais agressivos interesses financeiros. A ideia por trás de cada um dos encontros dos Bilderberg é criar aquilo que eles chamam de "o objetivo da aristocracia" entre as elites europeia e norte-americanas em questões de política, economia e estratégia. A aliança da OTAN foi a sua base fundamental de operações e sua subversão, porque lhes proporcionou o pano de fundo para os seus planos.
Em que baseia as suas conclusões, se os encontros do grupo são secretos e ninguém pode escrever sobre o que se passa lá dentro?
A KGB soviética e outras organizações semelhantes têm seguido o Grupo Bilderberg desde a primeira reunião, em 1954. Mais uma vez quero dizer que não sou jornalista, nunca fui jornalista. Sou um agente dos serviços de informação e ao longo dos anos fomos tendo acesso a todos os documentos, comunicações pessoais, emails, cartas, fotografias, arquivos pessoais, conversações gravadas, etc.
Você acredita que organizações multilaterais como as Nações Unidas e a União Europeia fazem parte deste controle do mundo?
Se analisar os assuntos na agenda dos encontros dos Bilderberg desde 1954, aquilo que se destaca de forma extraordinária é a tentativa de gerir e controlar as diferenças ideológicas entre as aristocracias europeia e americana no que diz respeito à forma como esses dois grupos deveriam prosseguir na pilhagem do mundo. Por exemplo, na página 7 do relatório geral do encontro Bilderberg de 1955, fala-se em "remover mal-entendidos e possíveis suspeitas entre os países da Europa ocidental e os EUA face aos perigos que assolam o mundo".
Quem são os cérebros por trás do Grupo Bilderberg?
O grupo foi iniciado por Józef Retinger, um político polaco no exílio que, preocupado com o crescimento do antiamericanismo na Europa ocidental, propôs uma conferência internacional onde a elite da Europa ocidental e dos Estados Unidos se juntaria para promover o atlantismo. Outros membros fundadores europeus foram o príncipe Bernardo da Holanda, que tinha sido membro do partido nazista nos anos 1930, o antigo primeiro--ministro da Bélgica Paul van Zeeland e o então chefe da Unilever, Paul Rijkens. Entre os participantes importantes do outro lado do Atlântico estavam o então chefe da CIA, Walter Bedell Smith, Charles D. Jackson, conselheiro especial para guerra psicológica do presidente dos EUA e diretor do Comitê para a Europa Livre e da Rádio Europa Livre, George Ball, chefe do Lehman Brothers, e o banqueiro David Rockefeller.
Quem são as outras figuras importantes deste plano para controlar o mundo?
Temos sido condicionados a pensar que os presidentes e os primeiros-ministros eleitos são realmente quem decidem o destino dos nossos países e que, através de "eleições democráticas", as pessoas podem mudar o destino das suas nações. Isto não faz qualquer sentido. Presidentes e primeiros-ministros são "mão-de-obra contratada" que comanda em nome da elite invisível. Conceitualmente, o mundo é governado por poderes supranacionais que não respondem aos cidadãos das nações, mas às estruturas de poder supranacionais das elites. Pode pensar que o presidente Trump é "o mais poderoso político à face da Terra", quando, de fato, Trump é um projeto de um grupo alternativo de interesses supranacionais que nem sequer é americano. Os EUA são hoje parte de um projeto da elite banqueira financeira liberal/projeto especulativo com base em Wall Street. Esse projeto está hoje morto e podemos ver isso pelo colapso que vemos ao nosso redor. O grupo alternativo, chamado Black International (a aristocracia europeia, a realeza, os Rotschild, o Vaticano), conseguiu fazer com que o seu candidato se tornasse presidente. Em novembro de 2014, eu disse publicamente que o presidente dos EUA seguinte seria, muito provavelmente, alguém como Trump.
Acredita que estamos caminhando para uma Idade das Trevas?
Sem dúvida. Os Bilderberg, a Comissão Trilateral, o CFR [Council of Foreign Relations], o Pinay Circle, a Organização Mundial do Comércio, o FMI, o Fórum Econômico de Davos, dentre outros, fazem todos parte das instituições financeiras liberais. Não estou falando sobre "democratas versus republicanos" e nem sobre "liberais versus conservadores", mas antes, de um modelo econômico capitalista ocidental, (os acordos de) Bretton Woods, baseado em um conceito de crescimento infinito. Mas não se pode crescer infinitamente num planeta finito, e a crise econômica no mundo ocidental é uma prova de que o modelo está moribundo.
Alguma vez teve medo pelas coisas que sabe a respeito dos Bildernerg?
Não, não tenho. Eles não andam por aí matando antigos agentes do KGB. Isso estabelece um mau precedente, se é que você me entende.
Acredita que os Bilderberg estão por trás do assassinato de Aldo Moro? Porquê? Que tipo de provas você tem?
Aldo Moro era o estadista democrata cristão, raptado pelas Brigadas Vermelhas a 18 de março de 1978, no centro de Roma, e mantido em cativeiro por 100 dias até que o seu corpo crivado de balas foi encontrado na mala de um carro, a poucos minutos da sede nacional da Democracia Cristã, então no poder. É inconcebível que o político mais poderoso de Itália pudesse ser raptado em Roma por um grupo de estudantes terroristas das Brigadas Vermelhas, mantido sob cárcere durante três meses - apesar da maior busca policial da história moderna da Itália - e então ser encontrado, morto, debaixo do nariz dos investigadores. Duas importantes publicações italianas, "Unita" e "Il Sabato", apontaram o dedo para Henry Kissinger. O primeiro artigo foi escrito por Gianni Cipriani, coautor do livro "Limited Sovereignity: History of Atlantic Subversion in Italy". Ele descreve o relatório apresentado no comitê parlamentar de investigação de massacres e terrorismo. O relatório foi preparado por um grupo de deputados, incluindo Francesco Macis, do PDS, e Luigi Granelli, da Democracia Cristã. Nas 41 páginas, os deputados sublinham que, pelas provas e arquivos mais importantes - incluindo arquivos sobre o caso Moro e as Brigadas Vermelhas - estas, longe de serem uma organização terrorista independente, eram apenas uma ferramenta. Alguns dias antes, o presidente da comissão, o senador Gualtieri, havia denunciado publicamente a rede Gladio da OTAN como "ilegal". Gladio, uma organização ultrassecreta criada depois da II Guerra Mundial, deveria ser uma rede paramilitar além das linhas, capaz de desencadear uma guerrilha em caso de invasão soviética da Europa ocidental. Mas a organização foi usada, de acordo com muitas fontes, para criar grupos terroristas, tanto de extrema-direita como de extrema-esquerda, destinados a desestabilizar países para os manter sob controle. Aldo Moro, de acordo com esses relatos, ameaçava estabelecer um governo suficientemente sólido para ser independente politicamente - e em especial financeiramente - dos anglo-americanos e de Moscou. Numa situação diferente, Kennedy representou o mesmo "perigo".
O grupo está por trás de outros assassinatos?
Os Bilderberg são um canal para uma determinada visão dos assuntos mundiais. Como Davos e muitas outras organizações privadas europeias e americanas, trabalha para uma ordem financeira bancária mundial. As pessoas que participam dos seus encontros também participam de encontros de outras organizações com o mesmo perfil, mas nos Bilderberg não se tomam decisões. É, antes de tudo, um fórum onde algumas das mais importantes políticas do futuro são discutidas e aperfeiçoadas.
Mas você diz que os membros do grupo decidem sobre as guerras, sobre onde vão acontecer, quando e quanto tempo irão durar.
Deixe-me dar-lhe um exemplo de como funciona este grupo internamente. As primeiras cinco conferências Bilderberg tiveram um papel decisivo na assinatura do Tratado de Roma, reconhecido pela própria União Europeia como o evento embrionário de sua fundação. Durante esses encontros, o protecionismo foi subordinado, com sucesso, à ideia liberal do mercado comum. Documentos divulgados pela WikiLeaks mostram que existia, na terceira conferência, em setembro de 1955, um reconhecimento generalizado entre os Bilderbergers da "necessidade angustiante de trazer o povo alemão, em conjunto com outros povos da Europa, para um mercado comum". "É reconhecido de forma generalizada que é nossa responsabilidade comum chegar, o mais rapidamente possível, ao mais alto nível de integração, começando com um mercado comum europeu", lê-se no arquivo da WikiLeaks. De acordo com George McGhee, antigo embaixador dos EUA na Alemanha Ocidental e participante nos encontros, "o Tratado de Roma, que criou o Mercado Comum, foi estimulado pelos Bilderberg". Em 1955. no mesmo ano em que se realizou o encontro Bilderberg mencionado, houve uma revitalização das políticas europeias que acabaram por levar à assinatura do Tratado de Roma. Depois da Conferência de Messina, em junho, uma conferência intergovernamental sob a liderança de Paul-Henri Spaak foi organizada para superar os últimos obstáculos no caminho para um mercado comum. Spaak era um político belga que, tal como Monnet, estava muito ligado a uma estrutura de poder de elite e tinha sido sempre um apoiante do supranacionalismo econômico europeu. Ministro dos Negócios Estrangeiros do governo belga no exílio – por isso, residira no Reino Unido durante a II Guerra Mundial – esteve na fundação da união aduaneira do Benelux, presidiu a assembleia comum da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço entre 1952 e 1953 e tornou-se chefe do Movimento Europeu com a ajuda da CIA, em 1950. Mais tarde, ele seria secretário-geral da OTAN e há informações de que ele teria comparecido a pelo menos um dos encontro Bilderberg. No entanto, houve ainda outros do grupo que, nos bastidores, desempenharam papéis decisivos no Relatório Spaak, incluindo Jean-Charles Snoy et d’Oppures, representante do governo belga, Robert Rotschild e Étienne Davignon, um eurocrata muito conhecido que participou em numerosas conferências Bilderberg e foi diretor do comitê diretivo entre 1998 e 2001.
Existem membros permanentes no grupo? Quem são e como são escolhidos?
Em 2010, graças em grande parte ao meu livro, o Grupo Bilderberg criou um site oficial onde podem, pelo menos na sua visão, disseminar a sua versão "oficial" da realidade. O endereço é www.bilderbergmeetings.org. Os membros são escolhidos por um grupo de 13 antigos e atuais membros muito respeitados, como David Rockefeller. O atual presidente é Henri de Castries, diretor do Instituto Montaigne e antigo presidente do conselho de administração da seguradora AXA.
Só os convidados podem participar das conferências. Quem é convidado e porquê?
Não se pode comprar a entrada no Bilderberg. O comitê diretivo decide quem convidar. Procuram um banqueiro liberal entusiasta do One World ou um socialista fabiano que possam fazer avançar a sua agenda. Por vezes, os seus candidatos acabam por ocupar posições importantes no palco nacional e internacional, como é o caso de José Manuel Durão Barroso e do presidente Bill Clinton. Quando um membro dos Bilderberg se vê envolvido em escândalos públicos que podem estragar a reputação do Grupo Bilderberg, esses membros são impedidos para sempre de voltar a participar nos encontros, como é o caso do príncipe Bernardo da Holanda.
Com que regularidade há encontros Bilderberg e quando é o próximo?
Uma vez por ano, normalmente em maio ou junho. A seleção final de candidatos realiza-se até final de fevereiro, tal como a localização do encontro.
Desde que escreveu o livro sobre Bilderberg o que se passou com o grupo?
Tornou-se famoso internacionalmente, graças a mim e ao meu livro.
No que podemos ver a influência dos Bilderberg hoje em dia?
A sua influência tem decaído porque o modelo que eles representam está moribundo. Ainda são muito fortes como se pode ver pela sua luta contra Trump e os Estados Unidos, mas acabarão por desaparecer, juntamente com o FMI, o Banco Mundial, a Organização Mundial de Comércio e Davos, porque todas essas instituições representam um modelo acabado – o modelo Bretton Woods.
Entrevista de Antonio Rodrigues, publicada em 19/02/2019 em https://ionline.sapo.pt/647269 - adaptados alguns termos para o português do Brasil.
0 Comentários
Todos os comentários serão moderados e publicados o mais breve possível.