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TENDÊNCIAS À FANTASIA


Lendo um antigo artigo publicado na coluna "Olhar Cético" da Revista Galileu por Carlos Orsi , tive que dar o braço a torcer quanto ao irritante fato de que antigas dúvidas a respeito de assuntos polêmicos, mesmo quando solucionadas e divulgadas, permanecem sendo ventiladas como tal pelas redes sociais e pela própria mídia, possivelmente com a finalidade de manter a mística a seu respeito e gerar todo tipo de debate e discussão, das mais tradicionalistas às mais fantasiosas. Mas por que isso? Preguiça é uma possível resposta. Ficar requentando assuntos polêmicos é uma maneira fácil de vender jornais - ou em tempos modernos, aumentar a audiência dos sites e a quantidade de clicks, melhorando sua monetização.


Um exemplo disso, como o artigo aponta, é que já se sabe há algum tempo como, em linhas gerais, as pirâmides do Egito foram construídas, quais prováveis técnicas que foram adotadas (há dúvidas, mas há consenso de que foi alguma técnica bastante convencional) e o motivo de sua construção. Por mais fascinantes e complexas que estas construções sejam.

Imagem mostra o Colosso de Djehutihotep sendo arrastado por trabalhadores; alguns deles molham e lubrificam a areia na frente do trenó de transporte com água, permitindo que ele possa ser arrastado com relativa facilidade. (Foto: reprodução)


Salvo conhecer o possível conteúdo de algumas salas que se encontram ainda inacessíveis dentro de algumas pirâmides (elas possivelmente possuem peças fantásticas de história materializadas em artefatos diversos e hieróglifos), não há mais grandes mistérios sobre essas magníficas construções.

Porém, o que vale ser destacado no artigo da Galileu é o que seu autor cita em certo momento é o seguinte:

Essa última questão (saber como a pirâmide de Gizé foi construída) é especialmente importante, porque é dela que os defensores da “hipótese extraterrestre” e da “hipótese atlante” se valem: se não sabemos como as pirâmides foram erguidas, então é porque foram os aliens, ou a supercivilização do Continente Perdido!



O fato de desconhecermos os detalhes exatos da construção das pirâmides é algo esperado, e não implica de forma alguma ação sobrenatural ou adoção de tecnologias fantásticas à época. O fato é que a maioria (se não todas) as construções modernas que vemos nos dias atuais e que sabemos como foram feitas sofrerão do mesmo mal daqui a vários séculos. Daqui a dois mil anos por exemplo ninguém saberá com exatidão como construímos as barragens, estádios e prédios que construímos hoje, porque possivelmente boa parte dos registros destes projetos e o conhecimento das técnicas empregadas em sua construção se perderão. Isso se ainda existirem seres humanos pisando sobre  face da Terra.

Estudo de distribuição de peso em arcos romanos


O Império Romano é um grande exemplo disso. Muitas das construções feitas na época perduram até os dias atuais com grande precisão e qualidade, e durante séculos a forma como tais obras foram construídas foi um mistério devido à perda de informações decorrente da queda de Roma. O próprio concreto romano, que dura séculos, tinha composição desconhecida até recentemente. Nos séculos seguintes à queda do Império, muitos arquitetos olhavam admirados para os majestosos arcos, domos, aquedutos, pontes, estradas, estádios e prédios, sem entender as técnicas empregadas (mas não há registros de pessoas que por conta disso alegavam que, já que não havia explicação, as obras só poderiam ter sido feitas com a ajuda de anjos, demônios ou magos). Apenas após muito tempo, e com a organização de novas sociedades estáveis e abertas o bastante para tal, a ciência pode redescobrir aquele conhecimento perdido e então esclarecer o mistério.

O mesmo ocorreu com as pirâmides, ainda mais com o fato do mundo ter operado de maneira 100% analógica até meados do século XX e de inúmeras guerras e revoluções terem ocorrido, contribuindo para a perda irreparável destes conhecimentos.



Teóricos da construção fantástica das pirâmides alegam que era impossível carregar pedras até o topo das pirâmides com rampas simples, mas quem disse que os egípcios não sabiam fazer outros tipos de rampa? No esquema acima, pessoas como arquiteto francês Jean-Pierre Houdin propuseram arranjos diferentes de rampas que poderiam permitir o transporte das pedras até o topo sem maiores problemas. O fato de não haver registro do tipo de técnica usada não determina que elas foram usadas ou não, mas tais esquemas mostram que seria possível (Foto: wikimedia commons / reprodução)

O problema não é exclusividade das pirâmides, tão pouco da arquitetura. Na verdade a maioria de nós humanos, em se tratando de diversos assuntos e fatos que permeiam nossas vidas, quando não apresentados a uma explicação lógica, embasada e definitiva (e até quando são) tendem a atribuir sua origem e propósito a algum tipo de  causa ou agente sobrenatural ou fantástico (foi Deus quem fez). Porém, como o autor do artigo mesmo diz:

... a eventual ausência de uma explicação razoável não prova a veracidade de explicações exóticas. Elas têm de se sustentar por seus próprios méritos, não pelas supostas falhas da alternativa.


A impossibilidade de explicar convincentemente o que são OVNIs não deveria por si só implicar no fortalecimento da hipótese extraterrestre (HET). Esta deveria se fortalecer por evidências próprias, da mesma forma que a impossibilidade de determinar a origem de ruídos à noite em uma casa não deveriam fortalecer a ideia de assombrações. A falta de evidências que apoiem uma hipótese não necessariamente são evidências que apoiem outra.

O Método Científico, que se apoia nesse mesmo pressuposto, não surgiu do nada, e é fruto de séculos de estudos práticos e experiências comprobatórias. É a técnica mais a segura para determinar o que é realidade. Qualquer coisa fora disso é, tecnicamente, chamada de Fantasia.

Fantasia é uma situação imaginada por um indivíduo ou grupo que não tem qualquer base na realidade em si (concreta), mas expressa certos desejos ou objetivos por parte do seu criador/paciente.

Wikipedia

A capacidade humana de fantasiar, e sua tendência de recorrer a ela em situações onde lhe faltem evidências e informações para chegar a uma interpretação realista, podem ser explicadas pela necessidade desesperadora em dar significância a eventos, necessidade de adequação e recompensa que a mente humana possui ou necessita. De fato, a mente humana é tão complexa que ela manifesta processos cognitivos capazes de façanhas como criar falsas memórias, ter alucinações, ver imagens em padrões aleatórios (pareidolia), dentre outros.

Soma-se a isso o fenômeno das fake news e do sensacionalismo barato e têm-se infelizmente uma forte tendência à fantasia presente em certos meios e em certas pessoas, causando um desserviço a aquilo que elas mesmas mais buscam: a verdade.

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