Le Penseur de Auguste Rodin |
Ultimamente tenho percebido um sem número de vídeos, livros, teses e argumentações científicas que "vendem" a ideia de que o ser humano não é, intelectualmente, quem pensa que é e nem tem a autonomia que imagina ter.
Existe uma ideia sendo germinada há bastante tempo, cujos brotos podem ser vistos na boca de renomados pesquisadores, filmes, livros, documentários e séries de TV assistidas por milhões de pessoas ao redor do mundo.
Mas que ideia é essa?
A ideia de que você vive em uma ilusão a respeito de sua independência intelectual
Trocando em miúdos: muito se fala a respeito de pesquisas das áreas de neurociência, psiquiatria e psicologia que indicam que os processos de tomada de decisão em nossa mente - das mais simples às mais complexas - não são, em ultima instância, racionais. Por mais racional que você se julgue e por mais racional que suas decisões lhe pareçam, elas são, em última instância, emocionais e quase instantâneas. E mais do que isso: são fruto de estruturas viciadas por definição (tais como "portas lógicas" que calculam um resultado previsível quando alimentadas com valores de entrada), o que nos levaria à constatação de que boa parte das decisões que tomamos não são decisões conscientes de fato, e que mesmo as decisões conscientes que tomamos acabam nos levando a resultados previsíveis, e que aquilo que chamamos de livre arbítrio, no fundo, é bastante limitado, para não dizer inexistente.
Exemplos de portas lógicas bastante conhecidas no meio das ciências exatas. Elas sempre chegam a um resultado previsível de acordo com sua função e com os valores de entrada submetidos a elas. |
Tive um professor, muitos anos atrás, que além de dar aulas também trabalhava para a companhia elétrica na minha cidade. Ele falou que, ao analisarem o histórico de consumo geral da rede, eles entenderam qual era o dia do ano em que havia o maior pico de consumo, e que podiam prevê-lo com certa precisão, aumentando recursos da mesma para a sobrecarga que viria. Pediu a todos os alunos que desses opinião de que dia seria esse.
Muitos apelaram a dados e motivações bastante razoáveis, mas ninguém acertou. O professor então falou que o dia de maior pico no consumo de eletricidade era sempre o dia mais quente logo após um grande período de frio, e que para prever o pico, bastava acompanhar a previsão do tempo. O pico ocorria porque as pessoas em geral não tomavam banho no frio, e quando as temperaturas subiam, elas tomavam longos banhos em chuveiros elétricos que consumiam muita energia, todas mais ou menos no mesmo horário, no fim da tarde e no começo da noite (quando voltavam para casa após seus afazeres).
Ele terminou falando algo mais ou menos assim - e isso não saiu mais da minha cabeça:
As pessoas acham que são especiais e que só elas tem certo comportamento que praticam, acham que é um comportamento exclusivo, mas no fundo as pessoas são todas iguais e agem mais ou menos da mesma forma diante das mesmas situações.
Alguns dias atrás, publiquei neste blog artigo a respeito de Yuval Noah Harari e de suas afirmações acerca do ser humano ser hackeável e ter seus pensamentos e decisões previstas. A predição do comportamento humano, segundo ele, é possível porque o ser humano é um algoritmo que pode ser depurado e compreendido - ou seja, seus componentes genéticos e biológicos, suas estruturas mentais e psicológicas de tomada de decisão são previsíveis após analisados, indicando que as pessoas são levadas sempre às mesmas decisões, ou decisões diferentes que as levam aos mesmos resultados, o que na prática significa que, no fundo, não temos vontade própria e nem controle plenamente ativo de nosso destino.
Esse conceito não é novo. Desde muito antes de Sigmund Freud a psicologia moderna, como ciência humana, vem tratando dessa questão e levantando hipóteses nesse sentido que foram sendo confirmadas com o passar dos anos. Antes dela ainda, a filosofia tratava desse tema e buscava a compreensão dos processos mentais - a tomada de decisão dentre eles.
A psicologia que conhecemos hoje é o resultado da confluência de preocupações e métodos oriundos da filosofia e da fisiologia. Todas as funções psicológicas decorrem de processos orgânicos. Avanços nos campos da genética, neurofisiologia e bioquímica trouxeram importantes esclarecimentos sobre processos psicológicos básicos como, por exemplo, hereditariedade, agressividade, depressão e ansiedade.
História da Psicologia - William B. Gomes - UFRGS
Após os trabalhos de Freud e a derivação destes que seu sobrinho Edward Bernays fez (e que acabaram criando os conceitos básicos da propaganda com a indução de desejos de consumo), a interpretação sobre os mecanismos de decisão do cérebro ficaram cada vez mais perigosa, já que ela indicava que a mente "roda no automático" muitas coisas que julgávamos serem processos intelectuais e conscientes de tomada de decisão.
Michael Platt, professor de marketing da Wharton School (onde estudaram algumas pessoas notáveis como Elon Musk, Warren Buffett e John Sculey) afirmou em entrevista concedida a Knowledge@Wharton que sua pesquisa leva a crer que a tomada de decisão da mente humana é primitiva e alimentada por influência do meio externo e pelo contexto social:
Quando tomamos uma decisão ― por exemplo, quando decidimos comprar uma ação ou vendê-la a descoberto, ou quando preferimos comer um doughnut a uma maçã ― por que tomamos tal decisão? Esta é para nós a questão fundamental. Nós a examinamos à luz de diferentes técnicas. Estudamos o comportamento das pessoas que fazem escolhas e o que acontece em seu cérebro no momento em que as fazem. Comparamos também essas escolhas com às de animais quando tomam decisões semelhantes. Em seguida, observamos o que ocorre em seu cérebro depois que fazem sua escolha.
Uma conclusão fascinante que tiramos da nossa pesquisa é que pessoas e animais tendem a tomar decisões muito parecidas em contextos semelhantes. Além disso, seu cérebro parece tomar tais decisões usando um conjunto semelhante de mecanismos.
Isso significa que podemos inferir o mesmo do nosso comportamento, isto é, as escolhas que fazemos em uma situação bastante complexa, como as que deparamos no mercado, são impelidas por forças cuja evolução começou em um passado remoto com o propósito de solucionar problemas que os animais têm de resolver: encontrar comida, um companheiro e fazer amigos e aliados que os ajudarão a resolver os problemas que precisam ser solucionados.
A série de TV Westworld, da HBO (muito interessante e bem produzida, apesar de promover esse tipo de ideia que critico neste artigo) teve sua segunda temporada findada em 2018, e nela, uma série de observações a respeito da natureza humana foram feitas por inteligências artificiais que fazem parte da história. Por mais ficcional que a série seja, ela bebe de muitas fontes reais, como seus produtores já afirmaram mais de uma vez.
Uma das afirmações mais fantásticas dessa segunda temporada é a seguinte (cuidado, há fortes spoilers nas imagens abaixo):
A princípio, a ideia - que se alinha ao que Michael Platt, Yuval Noah Harari e vários neurocientistas tem afirmado - é que os mecanismos de tomada de decisão estão sendo decifrados e que os estímulos que os alimentam estão sendo mapeados, de tal forma que o processo passa a ser totalmente manipulável.
Assume-se que você é fruto de sua educação. Humanos tem alta capacidade de aprendizado, uma função intelectual elevadíssima. Por meio dela, somado à tendências ditadas por nossos genes, formamos nossos princípios básicos (valores inclusive) aprendendo-os de nossos pais, irmãos, amigos, escola, mídia, Internet e experiência por repetição, até que estruturas mentais básicas sejam recalcadas em nossas mentes na forma de sinapses e caminhos neurais - verdadeiros circuitos por onde sinais elétricos que são o que chamamos de consciência trafegam - criando respostas automáticas no nível inconsciente. São estruturas cerebrais primitivas que processam estímulos captados por nossos sentidos e os processam, guiando-nos a certos comportamentos e resultados intrinsecamente humanos. Qualquer decisão é tomada portanto, em certo nível, de maneira automática. Sem que uma ação de decisão racional seja de fato tomada.
Variações obviamente podem surgir dependendo da pessoa, mas com tendências às mesmas orientações. Por exemplo: uma pessoa toma decisões por conta própria, mas se ela é uma pessoa essencialmente egoísta, ou orgulhosa, ou altruísta, ou desinteressada, ou deprimida, ou sádica, todas as suas decisões serão guiadas por esse fator sem que elas e dê conta.
Assume-se que você é fruto de sua educação. Humanos tem alta capacidade de aprendizado, uma função intelectual elevadíssima. Por meio dela, somado à tendências ditadas por nossos genes, formamos nossos princípios básicos (valores inclusive) aprendendo-os de nossos pais, irmãos, amigos, escola, mídia, Internet e experiência por repetição, até que estruturas mentais básicas sejam recalcadas em nossas mentes na forma de sinapses e caminhos neurais - verdadeiros circuitos por onde sinais elétricos que são o que chamamos de consciência trafegam - criando respostas automáticas no nível inconsciente. São estruturas cerebrais primitivas que processam estímulos captados por nossos sentidos e os processam, guiando-nos a certos comportamentos e resultados intrinsecamente humanos. Qualquer decisão é tomada portanto, em certo nível, de maneira automática. Sem que uma ação de decisão racional seja de fato tomada.
Variações obviamente podem surgir dependendo da pessoa, mas com tendências às mesmas orientações. Por exemplo: uma pessoa toma decisões por conta própria, mas se ela é uma pessoa essencialmente egoísta, ou orgulhosa, ou altruísta, ou desinteressada, ou deprimida, ou sádica, todas as suas decisões serão guiadas por esse fator sem que elas e dê conta.
Os perigos
Tentativas de nos fazer crer que não temos como escapar de nossos instintos e tendências adquiridas no decorrer da vida, e que no final nossas decisões não são tomadas por nós conscientemente é uma ideia perigosa que abre pressupostos de exploração e manipulação, já sinalizados há muito tempo por várias espécies de tirania - a própria afirmação de que os processos mentais de decisão são conhecidos, mapeados e manipuláveis já indica que podemos ser guiados com certa facilidade sem nos darmos conta, tomando decisões que achamos serem nossas, mas que na verdade não são, alimentadas por inúmeros estímulos externos que vem de todos os lados e que são projetados para tal - TV, livros, amigos, escola, igreja, Internet e redes sociais, dentre outros.
Desde que os seres humanos caminham sob a face da Terra, algumas pessoas tentam impor sua vontade a outras por meio da força e da violência, e desde alguns poucos séculos atrás, de maneira mais científica, por meio da manipulação emocional, psicológica e cultural. Nos últimos anos, temos sido manipulados pela mídia, pela imprensa e pelas redes sociais com o intuito de moldar nossos valores, que por sua vez ditam nossas decisões automaticamente.
Em ultima instância, adotar a crença de que somos predeterminados e que não temos de fato escolha, que não temos como mudar a nós mesmos e nossas reações, e que somos escravos de nossas sinapses e processos mentais autônomos parece justificar todos os nossos erros - afinal, se eu não tenho verdadeiramente o controle, não pode ser culpa minha. Todo tipo de comportamento perverso pode ser justificado então.
Mas, mais do que isso, o maior perigo desse conceito é que ele nos preparar para sermos escravos totalmente conformados, marionetes manipuladas por quem sabe controlar o fluxo de estímulos de massa, sem nos darmos conta. Guiados por estímulos externos imperceptíveis, que nos fazem crer que nossas opiniões não contam, que nossas decisões não são reais, que nossa capacidade e - acima de tudo - nossa responsabilidade sobre nossas decisões e atos são limitadas ou inexistentes, caminhamos para nos tornarmos compassivos com o que quer que aconteça, conformados com qualquer barbaridade, dóceis da maneira mais errada que há, porque essa docilidade artificial nada mais é do que o encarceramento de nossa liberdade de pensar e tomar decisões de maneira independente. Uma prática que parece estar ficando fora de mora há gerações.
Desenho de Fares Garabet, cartunista Sírio. |
Em ultima instância, esse tipo de pensamento enfraquece argumentações sobre uma nobre e fundamental prática do ser humano, que infelizmente vem se tornando cada vez mais rara e que desempenha papel fundamental na evolução de nossa espécie: o arrependimento e o sentimento de culpa que na maioria das vezes o precede, a capacidade de se reinventar, converter-se a outros tipos de comportamento, evoluir como ser humano e superar tendências pessoas tornam-se conceitos ameaçados por um determinismo ditatorial.
O sentimento de culpa vindo de uma autoanalise sincera e que acaba por levar ao arrependimento passa a ser algo totalmente desnecessário e injusto diante desse novo conceito - afinal, se em ultima instância você não tem controle de seus atos, não pode ter culpado deles e tão pouco tem capacidade de superá-los.
Isso é absolutamente satânico. Se por um lado temos de fato tomadas de decisão emocionais e automáticas (e eu não nego isso) temos sim capacidade e o dever de analisá-las e buscar mudá-las. Novas sinapses podem ser geradas ao custo de reeducação feita pelas mais diversas formas. Não há nada que te determina, apenas você mesmo.
Se fizerem você crer que não há como mudar a si mesmo e que você não tem controle de suas decisões, e que não pode controlar os estímulos que você recebe para tomá-los, será o fim da raça humana. Se você acha que o nazismo ou o comunismo são o que de pior a humanidade fez, sinto em dizer que eles não são nada demais comparado a este regime que nos aprisiona dentro de nossas mentes e almas, e que é chamado de Globalismo ou Nova Ordem Mundial.
No Brasil, muitas pessoas ressentidas (que nem sabem que estão sendo manipuladas usando os mesmos artifícios que cito neste artigo) falam sobre resistir ao novo governo. Não conseguem perceber que a verdadeira resistência deve ser contra agentes e coisas muito acima do que sua limitada visão pode enxergar.
O Mito da Caverna, da obra "A Republica", de Platão, continua extremamente relevante.
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